terça-feira, 3 de abril de 2018

Entrevista: Victor Missiato

Victor Missiator é autor do livro recém lançado “Caminhos Invertidos – O Comunismo no Brasil e no Chile”, que traça a trajetória dos partidos comunistas do Brasil e Chile e suas relações com o movimento comunista internacional

Por Germano Martiniano | FAP

Atualmente muito se vê, nas discussões da conjuntura da política brasileira, a palavra renovação. Além do clamor por transparência nas contas públicas, fim da corrupção e impunidade, a população brasileira, cansada dos “velhos figurões”, também clama por renovação, tanto no sentido de idéias, quanto no sentido cronológico, de querer maior participação da juventude nas bancadas do congresso.

Nomes como os de Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL (Movimento Brasil Livre); Nicholas Leviski, 21, coordenador nacional do movimento Viralivre; Elisângela Lima, 24, criadora da página “Dicionário Subversivo, constantemente aparecem nas mídias sociais como lideres de uma nova geração. Além deles, outros jovens têm se destacado em áreas que não possuem tanta expressividade pública, como produções acadêmicas.

É o caso de Victor Missiato, que com apenas trinta anos, possui graduação em História pela UNESP/Franca, mestrado e doutorado pela mesma instituição com os respectivos temas: Relações Civis Militares no Brasil e Comunismo no Brasil e no Chile. Sobre o tema de doutorado, Victor acaba de lançar o livro, “Caminhos Invertidos – O Comunismo no Brasil e no Chile”.

O livro, que traça a trajetória dos partidos comunistas do Brasil e Chile e suas relações com o movimento comunista internacional, busca compreender a inversão das estratégias do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Chile (PCCh) entre as décadas de 1950 e 1970 e a importância do ano de 1958 como contraposição ao ano de 1959, quando ficou consagrada a revolução cubana.

“Em poucas palavras, o pecebismo acompanhou o processo de democratização da sociedade brasileira ao final do século XX, consagrando sua estratégia ao mesmo tempo em que encerrava seu papel da história. O caso chileno foi distinto, pois após o início do regime pinochetista, sua estratégia direcionou-se para a insurreição, para a rebelião popular”, disse Missiato para a FAP, em entrevista.

A entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições. Os temas abordados também ajudam a compreender a história da esquerda brasileira, seu cenário atual e um pouco da história de nossos vizinhos latino-americanos.

• FAP – Apesar da pouca idade, (30 anos) você já é doutor em História e acaba de lançar seu primeiro livro, Caminhos Invertidos – O Comunismo no Brasil e no Chile. O que te levou a escrever esse livro?

Victor Missiato – Nos últimos 30 anos, o Brasil vem passando por uma transformação estrutural em seu ensino superior. Existe uma demanda cada vez maior para que o pós-graduando acelere seu processo de formação e publique seus trabalhos. Assim como eu, outros milhares de jovens participam desse processo. Em relação ao meu livro, trata-se da minha tese de doutoramento, defendida em outubro de 2016. Iniciei minha pesquisa em 2013, orientada pelo professor Alberto Aggio, a maior referência em Chile no Brasil. Procuramos desenvolver uma pesquisa que tinha como objetivo inicial pensar as estratégias comunistas que antecederam a Revolução Cubana de 1959. Desse modo, a pesquisa centralizou-se na Declaração de Março de 1958, apresentada pelo PCB, e as eleições presidenciais chilenas, ocorrida no mesmo ano, quando Salvador Allende “bateu na trave”, perdendo por 3% dos votos. Posteriormente, a pesquisa rumou para outros caminhos sem perder esse norteador inicial.

• Como avalia a participação da juventude brasileira na política?

Em relação à política institucional, existe não uma alienação, mas um redimensionamento do papel da política democrática institucional em todo o mundo. O jovem continua fazendo política, mas suas causas são outras. Eu nasci junto com a Constituição de 1988. Isso tem um peso significativo. Converso com meus alunos e sempre saliento que somos a primeira geração que nunca conviveu com um golpe ou uma ameaça de golpe institucional. Somos a primeira geração que convive há décadas com estabilidade econômica e desenvolvimento social como eixos de uma base democrática de sociedade. Democracia, liberalismo e desenvolvimento social recentemente convivem na sociedade brasileira. Portanto, penso que a participação política da juventude foi deslocada para outras esferas. Em poucas palavras, a política deve prestar atenção para as demandas da cidadania no Brasil. Outras instâncias já estão absorvendo tais demandas. Meu mundo político é a sala de aula e o andar das ruas. Seria uma realização profissional trabalhar como consultor, ajudar na política com ideias e projetos, mas não me vejo atuante na linha de frente da vida pública. O Brasil carece de centros de estudos internacionais. Pensamos e projetamos pouco o Brasil no mundo. Não conhecemos nem bem os nossos vizinhos. Esse é um caminho que ainda penso em percorrer.

• Atualmente é possível vermos inúmeras criticas ao sistema universitário público brasileiro, como por exemplo, que este está dominado por uma esquerda dogmática, que não acompanhou às transformações que vêm ocorrendo no mundo, como a revolução tecnológica, às mudanças nas relações de trabalho, etc. A universidade brasileira se tornou obsoleta?

Em relação ao mundo político, com certeza a universidade perdeu o rumo da História. Suas pautas são verticalizadas e suas práticas e estratégias não possuem mais o mesmo vigor social de outrora. Existe também um corporativismo nos processos de seleção, o que dificulta a abertura de espaços de diálogo, confronto e disputas de ideias na academia. Outro problema diz respeito às políticas de publicação. Publica-se muito, mas a qualidade é altamente discutível. Por outro lado, destaco pontos muito positivos na universidade. Os temas das pesquisas acompanharam a demanda do social e do político. Novos atores, novas ideias e novos problemas estão sendo bem respondidos. Portanto, vivemos esse impasse na universidade: ótimas pesquisas e um processo de profissionalização da vida acadêmica acompanhado de uma visão retrógrada de esquerda, que não mais consegue pensar a sociedade brasileira como um todo. Esses cursos acerca do “Golpe de 2016” evidenciam tal falência.

• Sobre seu livro, no titulo você já diz sobre os caminhos distintos que a esquerda brasileira e a chilena tomaram a partir de 1959, Revolução Cubana. O que seria essa inversão dos caminhos ocorrida entre as décadas de 1950 e 1980?

Desde os anos 1930, as esquerdas chilenas optaram por um caminho do reformismo na política. Reformismo, aqui, não significa desassociar-se de um projeto revolucionário, mas pensar uma revolução por meio de um reformismo leia-se, por meio da política institucional. De outro modo, o comunismo brasileiro alicerçou-se em uma base insurrecional, no que tange seu projeto revolucionário. Falamos aqui, então, da Frente Popular chilena, que percorreu de forma dominante a cultura política da esquerda até o fim trágico do governo Allende, enquanto percorremos outra trajetória com o PCB, quando este assumiu seu caráter insurrecional advindo da Aliança Nacional Libertadora, até meados da década de 1950. No decorrer da década de 1950, contudo, o PCB, colocado em xeque com o suicídio de Vargas, as denúncias contra Stalin e o próprio processo de modernização da sociedade brasileira pós-1946, transformou sua cultura política ao desenvolver uma estratégia revolucionária de caráter reformista e privilegiando a democratização social. Essa estratégia sobreviveu ao golpe de 1964 e deu fruto ao que o historiador Raimundo Santos chamou de pecebismo contemporâneo. Em poucas palavras, o pecebismo acompanhou o processo de democratização da sociedade brasileira ao final do século XX, consagrando sua estratégia ao mesmo tempo em que encerrava seu papel da história. O caso chileno foi distinto, pois após o início do regime pinochetista, sua estratégia direcionou-se para a insurreição, para a rebelião popular. Tal estratégia fracassou e o PCCh viu seu aliado-adversário, o Socialismo, aliar-se à Democracia Cristã e vencer a ditadura chilena por meio de uma estratégia democrática. Atualmente, o PCCh vive uma situação subalterna e esquizofrênica na política chilena, pois voltou a compor alianças, elegeu candidatos novos e inovadores, mas ainda permanece com uma leitura de mundo do século XX ao pensar o Chile no mundo contemporâneo. Algo similar ao que vem ocorrendo com o PSOL e PCdoB no Brasil.

• Poderíamos incluir além do PSOL e PCdoB o PT neste processo?

Enquanto uma cultura política que não relaciona democratização social e cultura política democrática, sim. Todos esses três partidos ainda partem de uma visão instrumental da cultura democrática. O apoio ao chavismo e ao castrismo não é mera retórica. No entanto, esses três partidos não advêm da tradição pecebista. Suas referências são outras, assim como seus lugares no mundo da política contemporânea.

• E qual o papel atual destes partidos na política brasileira e frente às eleições 2018?

O resignado papel da resistência. Resistir é e será o verbo das eleições de 2018 para esses partidos, como se esse lema fosse encampado ou sentido pela sociedade, o que não ocorre, basta ver o que foram as eleições municipais de 2016. Imersos em um mundo conceitual de resistências, multidões, coletivos e corpos politizados, essa esquerda continuará à margem da modernidade e terá cada vez mais um papel figurativo no poder.

• Qual deve ser o papel da esquerda atual no Brasil e quais partidos mais se aproximam desta ideia?

Pragmaticamente, para as eleições de 2018, a esquerda deve compreender que a conjuntura mundial não lhe favorece. A China optou pela autocracia. O Leste Europeu vive uma nova encruzilhada nacionalista. A Europa sofreu uma perda com a saída da Inglaterra, mas ganhou um fôlego com Macron e Merkel, embora a chanceler alemã demonstre sinais de enfraquecimento. Nos EUA, os democratas sofreram uma derrota histórica para um outsider, que mais do que o seu governo, talvez demonstre uma mudança importante no perfil da política e dos políticos no século XXI. A Itália vive um dilema similar. Na América Latina, vivemos agora um novo ciclo da direita, liberal na economia e conservadora na política. Mas não se trata de uma direita antiga, assim como Trump não é a encarnação do mal. Dito isso de forma resumida, a esquerda deve compor uma força de centro, liberal na economia e tensionada no político, pois inevitavelmente terá que conviver com as pautas muito bem organizadas por diversos grupos emergentes da sociedade. O PPS indica essa direção ao manter a aliança tática e estratégica com Alckmin nas eleições de 2018. Fora isso, voltamos a pensar o lulismo, o que por si só é trágico e ultrapassado.

• Há pouco tempo ocorreram as eleições presidenciais chilenas. Sebastian Piñera, de um partido liberal, no entanto classificado como conservador venceu Alejando Guillier, social-democrata, que continuaria o governo de Michelle Bachelet, considerado progressista. Como avalia a vitória de um liberal, depois de tantos anos sob um governo social democrata no Chile?

O Chile convive bem com essas trocas de poder. A base social-democrata da sociedade chilena não se rompeu desde o fim do governo Pinochet. Tanto a Concertación como a Nueva Mayoría cumpriram papeis importantes no desenvolvimento social chileno, mas o que muitos não compreendem é que o “neoliberalismo” no Chile funciona. Existe legitimidade. Basta ver o que era o Chile nos anos 1950 e comparar com a Argentina daquela época com a Argentina de hoje. Isso faz com que Piñera consiga trazer a defesa desse legado na economia, renovando a direita em sua visão política. A vitória de Piñera representa a vitória da democracia na América Latina.

• Por que hoje existe essa tendência em aliar o conservadorismo político ao liberalismo econômico, e a esquerda, por sua vez, representa o pensamento progressista?

Porque a intelligentsia latinoamericana é filha do jacobinismo. Nossas elites intelectuais pouco compreendem os valores do conservadorismo anglo-saxão. Na América Latina, em sua grande parte, conservador é sinônimo de reacionário. Vejo excrescências desse tipo em textos de intelectuais renomados e jovens pesquisadores, o que mostra uma distância imensa entre o saber e o pensar.

• Como anda o inicio de governo de Piñera no Chile e quais suas expectativas para as eleições presidenciais no Brasil?

Com poucos meses na Presidência, ainda considero precipitado emitir um julgamento mais balizado sobre o governo Piñera, mas com certeza veremos um amortecimento das propostas defendidas por Bachelet. Basta ver a crítica em relação ao projeto constitucional elaborado um pouco antes de sua saída. Minhas expectativas para as eleições presidenciais brasileiras estão centradas no debate cotidiano da sociedade brasileira. Para além dos extremismos, devemos pensar em um centro reformista, onde a democracia reconquiste sua relação com a cidadania, e o Estado redimensione seu papel em consonância com a sociedade que o legitima. Temos duas claras opções em 2018: apertar mais quatro anos no século XX ou nos abrirmos para o século XXI. Os líderes da redemocratização, da estabilidade econômica e do desenvolvimento social cumpriram seu papel. Esse legado deve permanecer em conjunto com novas políticas e novas idéias.

Nenhum comentário: