quinta-feira, 19 de abril de 2018

Inépcia: Editorial | O Estado de S. Paulo

Nove anos, 10 meses e 21 dias depois de receber as alegações finais da defesa do réu, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, mandou extinguir processo contra o deputado Flaviano Melo (MDB-AC). Trata-se de um caso exemplar da inaceitável demora da mais alta Corte do País em julgar os casos que envolvem autoridades com foro privilegiado.

Ainda que o processo em questão envolvesse um complexo emaranhado de informações e demandasse empenho excepcional por parte do Supremo para analisá-lo, nada justificaria tamanha lentidão. No entanto, em se tratando de um caso relativamente simples como o do deputado Flaviano Melo, quase uma década de intervalo para que o relator tomasse alguma decisão sobre o processo, quando já se chegava às portas da prescrição, beira o escárnio.

Diz a acusação que o parlamentar em questão, quando era governador do Acre, entre 1988 e 1990, participou de esquema de gestão fraudulenta para desviar recursos públicos, em associação com funcionários do Banco do Brasil. Todos os demais envolvidos no escândalo, julgados em tribunais de instâncias inferiores, já foram condenados há muito tempo.

Depois de muitas idas e vindas desde o recebimento da denúncia, em 25 de junho de 2002, o processo contra Flaviano Melo foi enviado ao Supremo em 25 de junho de 2007, em razão de sua eleição para a Câmara dos Deputados no ano anterior. As alegações finais do Ministério Público foram encaminhadas no dia 18 de março de 2008 e entregues ao relator, ministro Celso de Mello, naquele mesmo dia. As alegações finais da defesa foram apresentadas no dia 23 de maio de 2008. Três dias depois, em 26 de maio, o processo foi considerado concluído.

Começava, então, a saga da análise do caso por parte do ministro Celso de Mello. Em 18 de junho de 2010, dois anos depois das alegações finais, o Ministério Público Federal apresentou requerimento de prioridade para o caso. Diante do silêncio do relator, o pedido foi reiterado em 22 de novembro de 2013. Quatro anos depois, em 6 de dezembro de 2017, a Procuradoria-Geral da República fez novo requerimento ao Supremo, enfatizando o risco de prescrição do caso, que ocorreria no final de junho. “A prescrição da pretensão punitiva estatal é iminente, mesmo ao se considerar a pena máxima em abstrato prevista para os delitos imputados (12 anos). Sobressai, assim, a necessidade de julgamento da ação penal ora em trâmite nesta Corte”, escreveu a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ao ministro Celso de Mello.

Nesse meio tempo, o ministro relator do caso foi questionado por repórter do Estadosobre a razão da demora. Primeiro, em dezembro de 2017, seus assessores informaram que ele estava “concluindo a revisão do relatório, já elaborado, devendo liberá-lo nos próximos dias” e que o julgamento deveria ocorrer “no máximo em março de 2018”. No dia 9 de abril passado, o jornal tornou a perguntar ao ministro sobre a demora, e seu gabinete informou que relatório estava “sendo liberado para o revisor”.

Na sexta-feira 13, o ministro Celso de Mello finalmente tomou uma decisão: mandou arquivar a ação. Questionado pelo repórter do Estado sobre o motivo para tamanha demora para chegar a essa conclusão, o ministro mandou ler as 30 páginas do documento que ele levou tanto tempo para elaborar. Em nenhuma delas, no entanto, há qualquer explicação para a delonga.

Muito ao contrário: o breve despacho do ministro Celso de Mello conclui que a denúncia contra o deputado Flaviano Melo era simplesmente inepta, pois “narra denúncia genérica e que não individualiza a conduta que teria sido praticada”. Fica difícil saber por que o ministro levou tanto tempo para chegar a tão singela conclusão, que deveria estar clara já no recebimento da denúncia, uma década atrás.

Não se trata, infelizmente, de caso isolado de morosidade. O Supremo tornou-se um necrotério de processos que envolvem autoridades acusadas de corrupção. E isso não deveria ser trivial. Justiça que tarda, seja para condenar ou absolver, solapa a confiança dos cidadãos nas instituições e na democracia.

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