quinta-feira, 5 de abril de 2018

Maria Cristina Fernandes: Na aliança com Temer, Lula perde perdendo

- Valor Econômico

Petista fica entre 'germes fascistóides' e 'ricos deliquentes'

"Bom demais, começamos bem, Gilmar, guerreiro, do povo brasileiro...". Determinado a puxar a votação pela concessão do habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Gilmar Mendes pediu para furar a fila. Acabara de chegar de Lisboa e para lá voltaria em seguida. Ainda estava no início do seu voto, a se queixar da "mídia opressiva", quando, num grupo de simpatizantes petistas em rede social, um advogado puxou o coro em sua homenagem.

Gilmar queixava-se da edição do "Jornal Nacional" (da emissora de TV do grupo Globo, proprietária do Valor), da véspera, que relembrara seu voto anterior pela execução da pena em segunda instância. Partiu, então, para apontar o dedo para o PT na gestação do que chamou de "germe fascistóide da violência". Os tiros contra a caravana sulista do ex-presidente Lula foram ignorados. O ministro limitou-se a lembrar as pedradas de professores em greve contra um governador Mário Covas já em tratamento quimioterápico durante o último ano de seu governo.

O governador Geraldo Alckmin, que já trilhara o mesmo caminho, acabou voltando atrás. Mas Gilmar Mendes seguiu adiante: "O PT tem a chance de pedir desculpas públicas". Estavam resumidas ali as consequências da aliança entre petistas e réus do poder, dos quais o ministro togado se transformou em principal porta-voz. Não se trata apenas de livrar Lula das grades e mantê-lo longe das urnas, acordo há tempos traçado. Trata-se de aniquilar moral e politicamente o PT como caudatário de decisão judicial liderada pelo ministro. Gilmar serviu-se do PT e jogou o bagaço fora.

Num ato falho, o ministro lembrou sua passagem pela "Presidência da República, digo, do Supremo", e do Conselho Nacional de Justiça para atribuir ao seu contato com prisões provisórias Brasil afora a convicção de que a execução de pena em segunda instância havia sido decisão equivocada. Olhando para a ministra Rosa Weber, titular do voto considerado decisivo, contestou o relator, Edson Fachin, e sustentou que a sessão deveria ultrapassar o habeas corpus e entrar no mérito da prisão em segunda instância.

A turma de Gilmar Mendes apostou que, ao levar a sessão para o mérito da execução da pena em segunda instância, pressionaria Rosa Weber a manter o voto dado em 2016, mas a ministra resolveu surpreender. Na sessão do dia 22, já havia demonstrado contrariedade por ter sido colocada pela ministra Cármen Lúcia ao lado da posição que acabaria por levar ao adiamento da sessão, decisão que aumentou o desgaste da Corte. Ontem, voltou a demonstrar oposição à maneira como a presidente do STF montou a ordem dos votantes. Esperava que o julgamento fosse retomado por seu voto, mas acabou sendo a quinta a se pronunciar.

Seu voto privilegiou o respeito ao colegiado como biombo de salvaguarda à Constituição. Mais importante que o voto individual dos ministros é a garantia, contra as incertezas da jurisprudência, da equidade das decisões judiciais: "A imprevisibilidade, por si só, qualifica-se para degenerar o direito em arbítrio".

A ministra manteve a posição com a qual rejeitou os habeas corpus que sucederam à decisão de 2016. Voto vencido naquela ocasião, Rosa Weber privilegiou a unidade dos 11 Supremos: "Quem me acompanha em 42 anos de magistratura não poderia ter dúvidas em relação ao meu voto". Ao longo dos quase 60 minutos em que falou, porém, a ministra ora deu razão a quem esperava a chancela ao habeas corpus ora àqueles que apostavam em sua rejeição. A posição só apareceu com clareza nos minutos finais do voto.

Rosa Weber derrotou as pretensões do ex-presidente Lula, mas foi, principalmente, um pronunciamento contra as individualidades de uma Corte marcada pelos antagonismos hoje personalizados nos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

O voto de Rosa Weber deixou o PT no pior dos mundos. O didático personalismo de Barroso foi cristalino sobre o que estava em questão. Não acontecia ali o julgamento do presidente mais popular da história que proporcionou crescimento e distribuição de renda. Tampouco se tratava de concordar que há provas suficientes para atribuir a titularidade do apartamento do Guarujá ao ex-presidente.

Não era o mérito da condenação que estava em questão. E, sim, a execução da pena em segunda instância, que garantiu a expansão das delações premiadas, instrumento com o qual se aprofundou o combate à impunidade. Gilmar Mendes já estava a caminho de Lisboa quando o ministro o provocou contestando o efeito da decisão sobre a massa carcerária do país: "Tem gente que muda de calçada quando vê pobre e agora usa os pobres em defesa de suas posições".

A derrota da execução provisória, na definição de Barroso, eternizaria o Brasil como um país de "ricos deliquentes". A estratégia de defesa do ex-presidente apostou que a posse de um passaporte para este país garantiria sua liberdade. Em suas últimas entrevistas, Lula não poderia ter sido mais explícito em se aliar à turma do poder contra a 'perseguição' do Judiciário. Defendeu mais Michel Temer do que sua sucessora, Dilma Rousseff. Ainda tem jogo pela frente, mas Lula poderia perder ganhando. Corre o risco de perder perdendo.

Comandante-em-chefe foi além
O general Eduardo Villas Bôas foi infeliz no tom e no momento escolhido para alertar a nação sobre os anseios militares contra a impunidade, mas a indignação com suas postagens é desproporcional ao esquecimento com o qual foram tratadas declarações recentes do comandante-em-chefe das Forças Armadas. No fim de março, o presidente Michel Temer, em palestra na Fecomércio, em São Paulo, discursava sobre o apego do povo brasileiro sobre a centralização do poder. O presidente empossado depois de um soluço da democracia, saiu-se com a seguinte pérola: "Em 1964 não houve golpe de Estado. Houve desejo de centralização. A ideia do povo era que devia haver uma concentração do poder como houve nesse período".

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