quarta-feira, 25 de abril de 2018

Míriam Leitão: Erros ou crimes

- O Globo

Aécio diz ver “versões engolirem fatos”.

O senador Aécio Neves argumenta que o apartamento da sua mãe, que estava posto à venda, havia sido avaliado pela Sotheby's em R$ 36 milhões e que fora negociado por empresa especializada e oferecido por ele ou sua irmã a outros compradores também, além de Joesley Batista. Garante que, na defesa, apresentou comprovação de contato com outros possíveis compradores, visitados pela irmã dele.

Aécio Neves enviou longa correspondência eletrônica em resposta à coluna de sábado, em que sustentei que as versões dos acusados de corrupção são em geral inverossímeis. Por exemplo, a maneira como, pelo que se ouviu naquela conhecida gravação, ele negociava um empréstimo supostamente baseado em transação na qual Joesley Batista poderia comprar o imóvel, que sequer havia visitado.

O que o senador garante é que o imóvel não estava sendo vendido “de forma improvisada”. Quem ouve o diálogo gravado fica com essa impressão, até pelo palavreado nada comercial, nem convencional, da conversa entre o senador e o empresário, agora réu confesso do crime de corrupção. Vamos ver o que a Justiça conclui após a avaliação de todos esses documentos que ele diz ter entregue.

O imóvel, que estava sendo oferecido por R$ 40 milhões, é assim valioso mesmo, segundo o senador.

— O banqueiro Gilberto Faria, marido de minha mãe, construiu o prédio e o casal passou a morar na cobertura. É uma cobertura de dois andares, com mais de 1 mil metros de área construída e com direito à construção de um terceiro. Trata-se de um imóvel diferenciado de alto padrão — escreveu o senador.

De qualquer maneira, o que está em questão não é o pretenso valor do imóvel, mas sim o empréstimo, aquele diálogo, o dinheiro vivo, em malas, entregues a alguém “que a gente mata antes de fazer delação”. O senador terá muito a explicar à Justiça.

Andrea, irmã dele, teria feito visitas a vários empresários, segundo explicou.

— A todos indagou se havia interesse em adquirir o imóvel no Rio de Janeiro e fez o convite para que, se desejassem, visitassem o apartamento, ponto de partida de qualquer negociação.

Certamente a nenhum deles foi pedido um empréstimo antes desse “ponto de partida”. O senador diz que prestava esses esclarecimentos, “mesmo impotente, vendo versões engolirem os fatos”.

— Esclareço ainda que em toda a minha vida pública não existe um único ato em favor do grupo J&F, o que foi inclusive, reconhecido pelos delatores em suas delações. Nós sabemos quem são os verdadeiros parceiros que curiosamente não são citados nas delações feitas — diz o senador.

Sobre esse ponto, em que ele assegura nada ter feito em favor da empresa, também tratei na minha coluna de sábado. E o importante a reter nesse momento de luta tão difícil contra a corrupção é que toda a relação de um empresário, que tenha interesses no setor público, e um político tem o pressuposto da reciprocidade.

O que Joesley pretendia comprar, nos milionários dispêndios em doações aos políticos, era a influência, era a reserva para ser usada em caso de necessidade. No entendimento de cortes americanas, basta que o agente público entenda, mesmo que não explicitado, o que dele é esperado quando surgirem as oportunidades. É isso que o corrupto está comprando: uma espécie de boa vontade futura.

Portanto, o agente público não pode receber vantagens, mesmo que nada dê em troca no momento. Às vezes há transações claras, como ocorreu na Petrobras, sob o argumento de que essa era a regra do jogo, mas às vezes é mais genérico.

O senador Aécio diz que Joesley se esforça para que não seja invalidada a sua delação. Por isso tem mudado de versões para acusá-lo. Que, há um ano, Joesley disse à PGR que havia doado à campanha partidária o valor que agora alega que foi dado a ele, Aécio.

— Nesta última semana ele trata os recursos doados à campanha do PSDB, e devidamente registrados, somados a outros doados a outros 12 partidos, como se fosse um benefício pessoal a mim. Não mereceu atenção de ninguém, os valores muito superiores que ele doou à coligação adversária.

Diz ainda que o contrato com a rádio da sua família, à qual J&F fez pagamentos mensais, era regular e os comerciais foram veiculados. Ele repete ao fim da mensagem que cometeu apenas erros e não crimes.

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