quinta-feira, 26 de abril de 2018

Ribamar Oliveira: O governo preso em seu labirinto fiscal

- Valor Econômico

Sem LDO aprovada para 2019, governo Temer pode ferir LRF

O governo está diante de mais um percurso intrincado no labirinto fiscal em que se meteu. Agora, o presidente Michel Temer precisa mobilizar sua base de sustentação política para aprovar o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) antes do fim de agosto. Caso isso não ocorra, Temer terá que encaminhar ao Congresso uma proposta orçamentária para 2019 que pode ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Só para rememorar: a Constituição proíbe que o governo aumente sua dívida para custear despesas correntes, como o pagamento de servidores e aposentadorias. Só pode elevar a dívida para fazer investimentos. Este dispositivo foi chamado de "regra de ouro" das finanças públicas. O texto constitucional ressalva, no entanto, as operações autorizadas por meio de créditos suplementares ou especiais ao Orçamento com finalidade específica, desde que aprovados pela maioria absoluta do Congresso.

A LRF, por sua vez, estabelece que o governo precisa cumprir a "regra de ouro" no próprio projeto de lei orçamentária. O problema é que o governo não tem como cumprir a regra em 2019, pois ainda apresentará déficit elevado em suas contas. O déficit está sendo provocado pelas despesas correntes obrigatórias, que não param de subir, e não pelos investimentos, que continuam sendo cortados. No próximo ano, portanto, o governo terá que emitir mais títulos públicos para conseguir dinheiro para pagar despesas correntes.

Mas, se o aumento da dívida para pagar despesas correntes é proibido pela "regra de ouro", como isso será feito? A solução que consta do PLDO explora a exceção prevista na Constituição. Como o governo não pode enviar um projeto de lei de crédito suplementar ou especial ao Orçamento de 2019, que ainda não existe, ele pediu autorização ao Congresso para que possa colocar na proposta orçamentária do próximo ano despesas correntes que estarão condicionadas à realização das receitas decorrentes dos créditos suplementares ou especiais que serão solicitados apenas no próximo ano, pelo futuro presidente da República.

O PLDO cria a figura exótica, quase surreal, da "despesa corrente obrigatória condicionada à autorização de endividamento futuro". Esta foi a fórmula encontrada pelas autoridades para contornar o obstáculo da "regra de ouro", que estava colocado no labirinto fiscal. Há especialistas que consideram que a solução é inconstitucional, mas ganha força a corrente que diz que, como não há outra saída, o melhor é trilhar este caminho, mesmo que ele provoque algum incômodo por abrir um precedente que poderá ser repetido no futuro.

Se o PLDO for aprovado antes do envio da proposta orçamentária de 2019 ao Congresso, o que deverá ocorrer até 31 de agosto, o governo estará autorizado a colocar as despesas correntes condicionadas à realização das receitas de operações de crédito, que serão solicitadas apenas no próximo ano. A questão que se coloca, no entanto, é o que vai acontecer se a LDO não for aprovada antes do prazo final para o envio do Orçamento.

A Constituição determina que o Congresso não pode entrar em recesso, no meio do ano, antes da aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Para contornar o impedimento, nos últimos anos os deputados e senadores criaram a figura do "recesso branco". Em julho, eles entram em férias, sem formalizar o ato. Desde 2014, nenhuma LDO foi aprovada antes do fim de agosto.

Em 2017, a LDO para 2018 até foi aprovada no prazo constitucional, mas o governo pediu mudança da meta fiscal. Em setembro foi aprovada a alteração da meta e, apenas no fim de outubro, o governo enviou ao Congresso uma mensagem modificativa da proposta orçamentária inicial, com aumento de despesas.

Sem a LDO aprovada, nos últimos anos o governo vem elaborando a proposta orçamentária com base nas diretrizes que constam do PLDO. Já houve casos em que a LDO foi aprovada pouco antes do Orçamento. A LDO válida para 2015 chegou a ser sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff apenas no dia 2 de janeiro daquele ano. A LDO de 2016 foi sancionada no dia 30 de dezembro de 2015 e a válida para 2017, no dia 26 de dezembro de 2016.

A questão é saber se o governo poderá adotar o mesmo procedimento de anos anteriores, ao elaborar a proposta orçamentária de 2019, sem que a LDO tenha sido aprovada. O parágrafo 2º do artigo 12 da LRF diz que a proposta orçamentária precisa demonstrar que a "regra de ouro" foi cumprida. As autoridades poderão descumprir essa determinação legal da LRF, seguindo as diretrizes do PLDO, que ainda não foi aprovado pelo Congresso? Ou seja, elaborar a proposta orçamentária na expectativa de que o PDLO será aprovado?

Em resumo, as autoridades terão que decidir se vão cumprir a legislação em vigor ou se orientarão as suas decisões por um projeto de lei que ainda não foi aprovado. O Valor não conseguiu informações sobre que tipo de punição as autoridades poderão estar sujeitas, se a decisão for a de não seguir o que determina a LRF.

Se a decisão for a de seguir a LRF, o governo terá que deixar de fora da proposta orçamentária de 2019 mais de R$ 200 bilhões em despesas correntes obrigatórias. Posteriormente, depois de aprovado o PLDO, elas poderão ser reincluídas no Orçamento por meio de uma mensagem modificativa.

O governo pode receber uma ajuda de última hora do câmbio para sair do labirinto fiscal em que se meteu. O real está em uma forte escalada de desvalorização frente ao dólar. Como as reservas do país são contabilizadas na moeda nacional, cada vez que o real se desvaloriza, aumenta o valor das reservas. A diferença positiva de valores das reservas de um período e outro é considerada "lucro" do BC (mesmo que não ocorra venda efetiva das reservas) e transferida semestralmente ao Tesouro. Os recursos podem ser utilizados para cumprir a "regra de ouro".

Até o dia 20 de abril, o saldo da equalização cambial estava positivo em R$ 14,577 bilhões, segundo informa o repórter Eduardo Campos, deste jornal. Os ganhos nessa conta serão apurados no fim deste semestre pelo BC e, mantendo a variação positiva até lá, serão transferidos ao Tesouro.

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