quarta-feira, 4 de abril de 2018

Sergio Lamucci: O gradualismo da retomada e as eleições

- Valor Econômico

Recuperação segue em curso, mas ritmo da atividade é morno

A retomada da atividade econômica segue um curso lento e gradual neste ano. Nos primeiros meses de 2018, o ritmo mais forte registrado pela economia em dezembro não se repetiu. O desempenho da indústria e do setor de serviços tem decepcionado. No mercado de trabalho, a recuperação do emprego se concentra em postos de trabalho de menor qualidade.

Com a estimativa de vários analistas de que no primeiro trimestre o crescimento ficou em cerca de 0,5% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, uma expansão do PIB de 3% ou mais neste ano parece muito otimista. Nesse cenário, fica mais em xeque a avaliação de que a economia será um trunfo importante nas eleições, embora a atividade deva ganhar fôlego nos próximos meses, respondendo em especial ao efeito defasado da queda dos juros. Para completar, a própria incerteza relacionada ao pleito de outubro deverá crescer no segundo semestre, o que pode provocar alguns solavancos no câmbio e afetar decisões de investimento.

A recuperação atual não corre o risco de ser abortada, longe disso, mas o ritmo está longe de ser exuberante. É a mais lenta saída de todas as recessões desde 1980, como destaca a A.C. Pastore & Associados.

Apesar disso, a retomada deve ganhar terreno nos próximos trimestres. Desde outubro de 2016, a Selic caiu de 14,25% para os atuais 6,5% ao ano, e deve recuar para 6,25% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em maio. O mercado de trabalho melhorou um pouco, a inflação segue bastante baixa e há sinais favoráveis no mercado de crédito, num ambiente em que famílias e empresas reduziram o seu nível de endividamento. A combinação de todos esses fatores vai sem dúvida impulsionar a recuperação. A questão é que o ritmo da melhora parece ser mais gradual do que se esperava há alguns meses.

De fato, as famílias estão menos endividadas e o crédito para a pessoa física melhorou um pouco, mas o desemprego ainda é elevado e a composição dos novos postos de trabalho é ruim. Nos três meses até fevereiro, a população ocupada aumentou 1,745 milhão de pessoas em relação ao trimestre encerrado em fevereiro do ano passado. Desse número, contudo, 977 mil são empregos por conta própria e outros 511 mil sem carteira assinada. No período, ocorreu ainda um recuo de 611 mil vagas de trabalhadores com carteira.

É provável que uma parcela ainda expressiva dos consumidores mantenha a cautela para consumir e assumir novos empréstimos, ainda mais num cenário em que as taxas cobradas nos financiamentos seguem elevadas. Até o momento, é modesta a queda do spread bancário (a diferença entre o custo de captação de recursos das instituições financeiras e a taxa cobrada dos clientes).

O resultado é que o consumo das famílias pode ter um desempenho um pouco pior do que alguns esperavam, pelo menos no curto prazo. Sem uma alta mais firme do principal componente da demanda, fica difícil o PIB crescer a uma taxa mais expressiva. O consumo do governo não deve colaborar para uma expansão mais forte do PIB, num quadro de contenção de gastos públicos. O setor externo tampouco puxará a atividade, num ano em que as vendas externas vão crescer menos que as importações, além de representarem uma fatia pequena do PIB.

O investimento, por sua vez, deve enfim crescer após quatro anos de contração. A questão é que o avanço tende a ser inferior ao registrado em outros episódios de recuperação da atividade. A formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) pode avançar algo como 5% a 6% neste ano, mas teve uma retração de quase 30% na crise.

Depois de um tombo dessa magnitude, não seria nada excepcional um aumento na casa de dois dígitos. Alguns fatores, porém, jogam contra uma expansão mais forte do investimento, como a grande ociosidade existente na economia, a recuperação lenta da construção civil e as incertezas em relação às eleições, num cenário em que há dúvidas quanto à disposição de o próximo presidente dar prioridade ao ajuste das contas públicas e à agenda de reformas.

No segundo semestre, o clima de indefinição pode se intensificar, caso um candidato visto como comprometido com a disciplina fiscal não deslanche nas pesquisas. Isso pode trazer volatilidade ao mercado de câmbio, ainda que a solidez das contas externas e o ambiente externo favorável aos emergentes contribuam para atenuar oscilações mais fortes da moeda. Num quadro de instabilidade, os empresários podem ficar ainda mais cautelosos e adiar um pouco mais as decisões de investimento.

Uma das grandes dúvidas é como a retomada lenta e gradual da atividade vai afetar a disposição dos eleitores. A melhora da economia em relação ao pesadelo de 2015 e 2016 é inequívoca, e um crescimento de 2,5% ou um pouco mais parece factível, mesmo com o desempenho fraco dos indicadores no começo do ano. O ponto é que a recuperação ainda precária do mercado de trabalho, em especial, pode não ser suficiente para animar o eleitor a votar num candidato que defenda a agenda de reformas e o prosseguimento do ajuste fiscal.

O que pode fazer a atividade acelerar com mais força do que o esperado nos próximos meses é o impacto da queda dos juros. Com o corte de mais 0,25 ponto percentual projetado para maio, a Selic terá caído oito pontos percentuais desde o quarto trimestre de 2016. Longe de ser desprezível, o efeito desse estímulo monetário vai se materializar ao longo do tempo na economia, aliviando a situação financeira de famílias e empresas e as estimulando a consumir e a investir mais. Há muita incerteza, porém, se isso ocorrerá a tempo de provocar uma melhora expressiva do sentimentos dos eleitores à época das eleições, o que provavelmente exigiria uma recuperação bem mais forte do mercado de trabalho. Visto de hoje, é algo que parece fora do radar.

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