terça-feira, 10 de abril de 2018

Yoshiaki Nakano: A transição de 2018 a 2019

- Valor Econômico

A nova classe média está indignada e revoltada, exigindo melhoria na gestão de serviços públicos

Apesar das turbulências, incertezas e instabilidade que a ordem (ou desordem) política brasileira pós-impeachment tem gerado nos últimos 12 meses, a economia brasileira tem mantido uma certa estabilidade. Esta aparente calmaria é até surpreendente, já que a crise que se iniciou no primeiro semestre de 2014 foi uma grande crise de confiança política. Foram as intervenções discricionárias, "a contabilidade criativa" e o crescimento explosivo da dívida pública que geraram esta crise de confiança. O impeachment da presidente Dilma Rousseff, a fixação de um teto constitucional de gastos públicos, a aprovação pelo Congresso Nacional da reforma trabalhista e o envio de uma proposta de reforma da previdência, parecem ter acalmado os mercados.

Na realidade é como se o sistema econômico tivesse se descolado da ordem política. Mas este aparente descolamento é tênue e tem forte componente de "convenção". O problema do empresário é que, mesmo num quadro de total incerteza política, ele precisa continuar operando, tem que pagar seus fornecedores, seus funcionários, os impostos etc.

Diante da total incerteza adota-se uma "convenção" e continua-se a operar ignorando, em parte, as incertezas políticas. O barco está se acostumando a navegar por uma tempestade que está durando mais que o esperado.

No final de 2016 parecia que havíamos chegado ao fundo do poço. Com a super-safra agrícola, queda na taxa de inflação e outras medidas de estímulo do governo, como a liberação do FGTS, inicia-se nos primeiros meses de 2017, um lento e gradual processo de recuperação cíclica. Este processo ajuda a criar aquela "convenção".

Apesar de o Banco Central ter reduzido fortemente a taxa de juros Selic de 14,25% para 6,5%, e a inflação esperada estar próxima a 3%, os bancos comerciais quase não reduziram as suas taxas de juros junto ao consumidor e empresas, aumentando assim fortemente o seu "spread". De outro lado, o crédito continua relativamente escasso.

Uma possível explicação para este aumento real de "spread" é que os bancos como entidades especializadas em avaliar riscos, observam que riscos políticos podem bater na economia. De fato, estamos a sete meses das eleições presidenciais e o quadro político é totalmente incerto, desta vez não vamos ter mais a tradicional polarização entre candidato do PT contra PSDB, como ocorreu nas últimas eleições.

Com Lula preso e/ou inelegível, a possibilidade de polarização dele com Bolsonaro está fora do cenário. A esperança que alguns alimentavam de que algum candidato (Alckmin, por exemplo) conseguisse aglutinar o centro, também parece fora de cogitação, dada a multiplicação de candidatos neste espectro ideológico.

Além dessa incerteza política, o novo presidente eleito que assumir em janeiro de 2019 terá que enfrentar não só uma situação fiscal extremamente difícil, mas será impossível cumprir a regra constitucional de teto de gastos. Despesas constitucionalmente obrigatórias representam mais do que 80% dos gastos do governo, e mesmo zerando os gastos ditos discricionários (que incluem investimentos públicos, e outros itens imprescindíveis para o governo funcionar) o teto não será alcançável em 2019.

Desta forma, obrigatoriamente o novo governo terá que fazer um conjunto de reformas constitucionais para mudar a trajetória crescente dos gastos ditos obrigatórios. Além disso, haverá uma agenda de reformas inadiáveis imposta pela realidade de fatos, tais como as reformas da previdência e tributária, além das pressões que virão da sociedade por mudanças. Se isto não acontecer, caminhamos para a ingovernabilidade.

A nova classe média está indignada e revoltada, exigindo melhoria na gestão de serviços públicos, e tomou consciência da corrupção que reina no setor público. Além disso, percebe claramente as vantagens que o funcionário público tem em relação ao trabalhador do setor privado.

O que ocorrerá se o novo presidente eleito não for capaz de convencer o Congresso Nacional a fazer os ajustes e as reformas? Num futuro imediato, o Rio de Janeiro é o retrato do futuro do Brasil. Estará criado um quadro para revoltas populares, polarização política sem precedentes e violência crescente. Desta forma, devemos eleger um governo disposto a fazer as reformas e um ajuste fiscal duradouro. Se a sociedade brasileira não for capaz de tomar esta decisão de convocar uma liderança com disposição e valores morais para fazer mudanças profundas e doloridas, caminharemos para um descontrole econômico, social e político.
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Yoshiaki Nakano, mestre pela Cornell University,

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