segunda-feira, 7 de maio de 2018

Angela Bittencourt: Temer, Macri e Trump são fatores de risco

- Valor Econômico

Energia e hiato do PIB são as boas notícias para a inflação

O presidente Michel Temer entrou de sola na disputa entre Argentina e Donald Trump para ver quem produz mais estrago no mercado financeiro. As maluquices de Trump, que deixou de lado a guerra que gostaria de travar contra governos asiáticos e ergueu a bandeira protecionista contra um número maior de adversários, são um fator a pressionar o dólar no mercado internacional com consequências para o real. A corrida contra o peso argentino, que patrocinou um choque de juro a 40%, é outro fator de perturbação para os negócios. Contudo, a intervenção de Temer neste domingo ajudará a tornar o Brasil mais arriscado. A dez dias da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), Temer dará mais trabalho ao Banco Central.

O presidente sancionou no domingo uma lei que libera R$ 4,5 bilhões a Estados e municípios. Essa variável será incorporada às projeções de analistas para as já deficitárias contas públicas do país. O Copom estará atento ao efeito, ainda que potencial, desse "adiantamento" de receita para o resultado fiscal. O anseio do presidente de conquistar mais apoio para concorrer ao segundo mandato - embora resista a admitir a possibilidade de participar da eleição - poderá pesar contra o crédito acumulado por avanços obtidos em dois anos de governo.

Temer informou sobre a liberação em sua conta no Twitter, na qual afirmou que "esses recursos irão beneficiar a população brasileira". O presidente não está sozinho no gesto de boa vontade para com os brasileiros. O texto, de autoria do governo, foi aprovado no último dia 25 de abril em sessão conjunta do Congresso Nacional.

Na semana passada, a Argentina aumentou sua taxa de juro três vezes. O governo disse que tomará medidas fiscais. A intenção é interromper a corrida contra o peso que já compromete as reservas internacionais. O arsenal do presidente Mauricio Macri deve contar com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Há dois meses, Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, esteve em Buenos Aires e elogiou o esforço do governo argentino de promover um ajuste nos gastos. Foi a primeira vez, desde 2004, que um dirigente do FMI visitou o país.

O governo argentino pretende reduzir seu déficit. O governo Temer também. A retração brutal da economia brasileira ainda castiga a arrecadação tributária, que foi minada com o tombo do PIB em 2015 e 2016.

O presidente Michel Temer deve ter subestimado as projeções de sua equipe econômica chefiada até há pouco por Henrique Meirelles, colega de palanque na convenção do MDB no sábado. Houve troca de elogios.

O pesadelo de Macri não sugere que a economia argentina tenha crescido 2,8% em 2017. A duras penas, o Brasil cresceu 1%. Os indicadores de atividade que se mostraram positivos no começo do ano já mostram retrocesso ante as incertezas eleitorais.

O Brasil tem a comemorar, por ora quem sabe, uma inflação inédita. Ao conduzir com rigor o aperto monetário e o atual ciclo de flexibilização, o BC condenou a inflação a pairar abaixo do piso da meta de 3% vigente neste ano. Ano que vem a meta cai a 4,25%. A margem de tolerância cai de 2 pontos para 1,5 ponto percentual. O piso da banda de flutuação do regime de metas cairá a 2,75%; o teto a 5,75%.

Nesta semana, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publica o IPCA de abril que deverá registrar, pela décima vez, variação inferior a 3% em 12 meses. Em dezembro passado, o governo argentino decidiu elevar a meta de inflação para este ano de 10% ao ano para 15%. Para 2019, a meta voltaria aos 10% propostos inicialmente. Essa decisão, interpretada como leniente, deu início ao calvário de Macri.

O Brasil avançou com a reforma trabalhista e a limitação de gastos públicos. Mas o presidente Temer avivou, neste domingo, a ideia de que sempre há o risco de retrocesso.

No Brasil, mesmo com troca de guarda no Palácio da Alvorada, o Poder Executivo sustenta um vício histórico: demonstrar o quanto é surpreendido pelo Congresso, e disfarçar o quanto é conivente com o mesmo Congresso. Essa postura, de soma zero, corrói a autoridade. Não por acaso, imperativo no Brasil é o desgoverno que, para os mais críticos, transformou-se em roubalheira.

O salto da taxa de câmbio na Argentina, mesmo com o choque de juro, ganhou, na semana passada, ares de assombração no mercado financeiro no Brasil, onde o dólar também botou as manguinhas de fora. Aproveitou a onda do dólar forte lá fora. Ajudou no movimento a constatação, óbvia, de que a intensa queda da taxa Selic nos últimos meses leva a um ajuste da taxa de câmbio.

O Banco Central de Ilan Goldfajn intervém para que o ajuste de preços seja mais suave. O comportamento da moeda americana e a ação do BC por meio de instrumentos derivativos -- venda de contratos de swap cambial versus taxa de juro prefixada -- divide especialistas que buscam explicações para a rapidez com que o dólar passou a R$ 3,52 se há pouco estava a R$ 3,30. Para alguns, a eleição já está no mercado; para outros, a eleição ainda não está "fazendo preço" de ativos financeiros.

Independentemente de quem tenha razão, é melhor que o câmbio não azede a inflação. Nesse sentido, Daniel Rittner e Rafael Bitencourt, do Valor, trazem informação importante: o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) deve informar às principais autoridades do setor, na quarta-feira, que os reservatórios devem chegar ao fim do período seco em nível mais confortável do que nos últimos anos. Haverá menos necessidade de acionamento das usinas térmicas nos meses de estiagem. Isso quer dizer que a inflação deve se livrar de pressões adicionais derivadas do uso mais intenso de termelétricas, donas de energia mais cara.

Outra informação e tanto vem da Instituição Fiscal Independente (IFI). Ouvida por Fabio Graner, a IFI estima que o hiato do produto no Brasil (medida que calcula o grau de ociosidade produtiva no país) fechou 2017 com variação negativa de 7,2%. Esse diferencial só será fechado em 2020. Até lá, a economia poderá crescer até 2,3% sem pressões inflacionárias.

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