quinta-feira, 31 de maio de 2018

Bruno Boghossian: Dívida dos Três Poderes

- Folha de S. Paulo

Efervescência social tragou Judiciário para a insatisfação geral com a política

A turma das estradas e seus aliados surgiram como cobradores raivosos. Os inquilinos de Brasília escaparam das revoltas de 2013 com uma dívida que jamais foi paga. Os juros do calote se acumularam sobre o Planalto e o Congresso, mas transbordaram também para o terceiro lado da praça dos Três Poderes.

A efervescência social dos últimos anos estilhaçou uma blindagem assegurada ao Judiciário por natureza. Dotados de salvaguardas para garantir a liberdade de suas funções, os magistrados se viram expostos a pressões incomuns e constantes.

O Supremo Tribunal Federal, em particular, passou a ser alvo de manifestações frequentes. Acusados de lentidão, de desperdício e de leniência com corruptos, os ministros da corte caíram na insatisfação geral da população com a política.

A primeira reação da presidente do STF à crise provocada pela paralisação dos caminhoneiros ainda parece desconsiderar o débito que a sociedade vem cobrar das instituições —incluindo o próprio tribunal.

No início, não havia razão objetiva para que Cármen Lúcia interferisse nas tentativas de debelar o movimento. Nesta quarta (30), depois que os protestos ganharam conotações políticas, a ministra fez um discurso oportuno a favor da democracia.

“Regimes sem direitos são passados de que não se pode esquecer, nem de que se queira lembrar”, afirmou a presidente do Supremo. “A democracia é a única via legítima.”

A fala de Cármen, no entanto, deixou escapar uma apatia que, cedo ou tarde, o Judiciário precisará enfrentar. “Não fazemos milagre, fazemos direito”, declarou.
Tragado ao ambiente político pelo comportamento de seus ministros e pela superexposição na TV Justiça, o STF deveria servir de exemplo nessa onda de descrédito institucional.

O Supremo preservou parte de sua credibilidade durante a derrocada de seus colegas de praça. Se a população clama por serviços públicos mais eficientes e menos custosos, liderar o fim do auxílio-moradia seria um bom começo.

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