quinta-feira, 24 de maio de 2018

Cristian Klein: Entre o antigo e o novo regime

- Valor Econômico

Ciro precisa de discurso cristalino para desbancar PT

A corrida presidencial de 2018 é a mais aberta da história, mas há muita sujeira e dissimulação no cenário e a definição, em resumo, depende da resposta a quatro perguntas. Bolsonaro (PSL) manterá seu patamar ou desidratará? Sem Lula, quanto dos 20% de identificação partidária e do potencial de transferência do líder máximo o candidato do PT conseguirá converter em intenção de voto? Alckmin (PSDB) vai decolar a ponto de se tornar competitivo? Ciro (PDT) e Marina (Rede) terão fôlego para chegar ao segundo turno? O resto é secundário.

Meirelles (MDB), Maia (DEM), Manuela (PCdoB), Amoêdo (Novo), Alvaro (Pode), Afif (PSD), Aldo (SD), Rabello (PSC), Rocha (PRB), Boulos (Psol) ou marcam posição ou tentam inflar balão de ensaio pronto para se esvaziar diante das evidências. Vide a natimorta candidatura de Temer, que sempre esteve mais para a primeira do que para a segunda hipótese. O mais impopular presidente desde a redemocratização empurrou até não dar mais a lorota de que concorreria, para não se transformar na irrelevância do mandatário de um governo que já acabou.

Temer abriu espaço ao ex-ministro da Fazenda, mas Henrique Meirelles e Rodrigo Maia são expoentes do governismo e de um Executivo e Legislativo no momento em que o clima de opinião é contra o establishment. Meirelles terá que explicar o que fez e o que não fez e provar não ser um candidato de si mesmo - a despeito de uma eleição em que riqueza pessoal e poder de autofinanciamento darão vantagens competitivas. O sistema político brasileiro está mais para uma casta nobiliárquica, ligada à tradição - como a França do Antigo Regime -, do que uma classe aberta ao poder da grana, ao estilo da nobreza britânica à mesma época. É preciso convencer a velha confederação de caciques estaduais do MDB de que o homem do mercado também é bom de voto.

Ficar pelo caminho é o mais provável. Não há dinheiro ou vaidade que justifique contrariar interesses de gente tão profissional. Um a um, caem os pré-candidatos conforme os prazos se aproximam. O realismo, diante de índices tão baixos, deve prevalecer. Chegará a Rodrigo Maia, que sequer esconde o objetivo de se cacifar e liderar a geleia geral do centrão, que tem votos nas eleições proporcionais e vende o tempo de TV nas majoritárias. A insinuação de um movimento do bloco liderado por DEM e PP em direção a Ciro Gomes seria o lance mais surpreendente e a possibilidade de concretização acrescentaria uma questão importante à lista de perguntas enumeradas acima.

Diante do quadro tão pulverizado e polarizado, o candidato que transitar entre esquerda e direita tanto pode aumentar suas chances de vitória num segundo turno quanto se tornar vidraça de ambos os lados na primeira etapa. É o risco que Ciro correria. Ciente da situação, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, afasta o cenário. "O Ciro não conversou com ninguém do centrão, até porque quem trata de alianças é o partido, não ele, que precisa cuidar da candidatura", afirma o dirigente.

A prioridade do PDT é firmar coligação com o PSB, e não se espera com isso, como as primeiras análises previam, que a aliança tenha o condão de levar o PCdoB de Manuela D'Ávila e, em seguida, o PT de roldão, numa grande frente de esquerda. "Não é tão simples assim. Se fosse, estaria todo mundo junto. O PT vai ter candidato próprio, o Lula ou outro, provavelmente o Haddad", diz Lupi, que conta estar "trabalhando muito" para que saia o acordo com o PSB. "É uma aliança que não precisa de explicação".

União com legenda de direita, diz, só se esgotarem todas as possibilidades. E dentro do figurino discreto de personalizar o movimento, retirando dele o caráter de uma guinada conservadora. A fórmula do candidato de esquerda lastreado simbolicamente pelo vice "empresário nacional", lançada por Lula em 2002, com José Alencar (1931-2011), pode ser repetida por Ciro com Josué Gomes (PR) - herdeiro do vice-presidente da República na Coteminas - ou com o presidente da CSN, Benjamin Steinbruch (PP). "Representam o capital produtivo em dois Estados fundamentais, São Paulo e Minas", diz.

Aliança com o DEM de Rodrigo Maia está praticamente descartada. Neste caso, a principal moeda de troca seria o Rio de Janeiro, com a retirada da pré-candidatura a governador do deputado estadual Pedro Fernandes, de 35 anos, para apoio do PDT ao ex-prefeito Eduardo Paes. "Se o DEM apoiar o Ciro, estamos abertos [a apoiar Paes], mas é pouquíssimo provável", afirma Lupi.

A candidatura de Ciro Gomes flerta, assim, com duas ou três das maiores legendas à disposição, sem nomes competitivos, e que devem negociar seu apoio a peso de ouro. Mas numa eleição atípica, com campanha de curta duração, eleitorado arredio e na qual a máquina partidária deve contar menos, é de se duvidar se o benefício do maior tempo de TV vai superar o prejuízo da perda do discurso mais contundente. É dessa narrativa cristalina que Ciro precisa para assegurar a vaga da esquerda no segundo turno, contra um PT que já esteve entre os dois primeiros colocados ao Planalto em todas as sete eleições desde a redemocratização.

É possível que o padrão de competição política que existe há 25 anos, o duopólio entre PT e PSDB, desmorone. A crise tucana que atrapalha o crescimento de Alckmin parece tão ou mais grave do que os dilemas quase freudianos que se abatem sobre os petistas. É possível que a disputa nacional, no médio prazo, se assemelhe mais com a política de personalidades de Estados como o Rio de Janeiro ou o Amazonas - e menos com a clivagem dual, partidária e mais estrutural entre capital e trabalho emanada da política e da economia paulista. Mas as práticas e os laços de lealdade não somem em prazo de tempo tão rápido. Não é à toa que Lula venceria no primeiro e no segundo turno com facilidade, se puder ou pudesse participar. No máximo, trata-se de momento de transição.

O movimento e o discurso de Ciro são constrangidos e delimitados por este estado de coisas. Bem como os de Bolsonaro, que é a decantação mais bruta do antipetismo e do antilulismo informado conjugados com parcelas da população vagamente familiarizadas com o ideário radical do ex-militar.

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