domingo, 20 de maio de 2018

Míriam Leitão: Dois em um

- O Globo

Neste maio o presidente Michel Temer completou dois anos de governo e um ano desde que sua administração perdeu o rumo. Tem sido, desde o começo, um governo com dois lados e dois momentos, partido ao meio. Ele acertou em alguns pontos na economia e errou em várias outras áreas. Em certos casos, uma decisão anulou o benefício de outra e minou o próprio sucesso. Um caso para os psicólogos.

Logo ao assumir, ele suspendeu a construção da hidrelétrica de Tapajós. Parecia ter entendido que as usinas agressivas ao meio ambiente na Amazônia, como Belo Monte, exigem precaução. Em seguida, reduziu a área de proteção da preciosa floresta de Jamanxin. Quis acabar com a Renca. Agora tenta emplacar um ruralista no ICMBio. Não houve naquela primeira decisão sobre Tapajós um pingo de consciência ambiental, era apenas oportunismo político porque a ex-presidente Dilma estava muito vinculada aos polêmicos projetos das hidrelétricas.

Na Petrobras, o centro do escândalo de corrupção, o presidente Temer escolheu um administrador que nenhum headhunter colocaria defeito. Pedro Parente nomeou sua própria diretoria. A estatal tem constituído de forma independente e técnica seu conselho de administração. O resultado positivo disso está em vários indicadores da empresa, que havia sido jogada no fundo do poço. Seu governo aprovou o projeto de nova lei das estatais que impede a nomeação política. Estaria ele querendo modernizar a gestão das estatais? Não. Aí entrou o outro lado de Temer. Ele próprio fez nomeações políticas, que feriam a lei que aprovara, para algumas empresas públicas e órgãos reguladores.

Na economia, Temer escalou um time qualificado e com boa reputação. A resposta apareceu nos indicadores. O PIB estava no mais baixo ponto quando ele assumiu. No segundo trimestre de 2016, a recessão estava no auge. Em quatro trimestres registrava uma contração recorde de 4,8%. A inflação estava em 9,5%. Era o resultado da desastrosa política econômica do primeiro governo Dilma. O país agora cresce pouco, mas saiu da recessão, a inflação foi contida e, por isso, os juros puderam cair ao mais baixo nível da história. Temer permaneceu, contudo, fazendo uma coisa e seu contrário. Defendeu o ajuste fiscal, mas iniciou o governo dando aumentos salariais para os funcionários até 2019. Aprovou o teto de gastos e fez sucessivas concessões de alto custo fiscal aos ruralistas. Ele dá um sinal geral de contenção de gastos, e cria pressão de despesas de má qualidade.

O governo Temer, além de dois lados, tem também dois tempos. A marca divisória ficou registrada no calendário. A partir do dia, há um ano, em que este jornal divulgou a delação de Joesley Batista, Temer passou a agir sem qualquer limite para se manter no cargo. Para derrotar no Congresso as denúncias da Procuradoria-Geral da República, seu governo fez acordos com diversos lobbies e enterrou o plano de ser um mandato reformista.

Defendeu a modernização do mercado de trabalho e disse que isso estaria na proposta de reforma, enquanto por portaria tentava proibir a divulgação da lista dos que praticam trabalho escravo. O novo e o inaceitável estão dentro da mesma reforma: ela permite que trabalhador que se demite possa sacar parte do Fundo de Garantia, e autoriza o trabalho de grávidas em ambiente insalubre. Aprovou uma mudança fundamental no BNDES, a TLP, que reduzirá o enorme custo dos empréstimos subsidiados, ao mesmo tempo em que conspirava na noite do Jaburu com aquele que foi um dos maiores predadores do BNDES nos governos do PT, o grupo JBS.

Temer deixará um balanço ambíguo dos seus 31 meses. Foi ainda pior que Dilma em relação ao meio ambiente, uma tarefa árdua. Liberou R$ 40 bilhões para os donos das contas do INSS e melhorou alguns gastos combatendo fraudes no Bolsa Família e no auxílio-doença. Blindou a Petrobras, deu autonomia ao Banco Central e apoiou uma equipe defensora da austeridade. Afundou o fosso moral no qual o governo brasileiro entrou. Dividido entre os dois lados de si mesmo, e entre os dois tempos políticos, ora médico, ora monstro, Temer viverá seus últimos meses acuado no Palácio, cercado por um mar de impopularidade.

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