quarta-feira, 16 de maio de 2018

Monica De Bolle: FMI em xeque

- O Estado de S.Paulo

A Argentina pode ter sido o canário da mina de carvão, mostrando que há países vulneráveis a um tranco

Não é preciso acompanhar de perto as oscilações dos mercados internacionais para saber que há algo de novo e pernicioso no horizonte. Há poucos meses, quando ainda predominavam os cenários de calmaria associados à visão de que as taxas de juros internacionais permaneceriam baixas por tempo prolongado, jorravam recursos para os países emergentes, inclusive para economias vulneráveis como a Argentina e a Turquia. Passadas algumas semanas, o quadro mudou subitamente. Investidores finalmente se deram conta não apenas de que o quadro de juros baixos pode se alterar mais rapidamente, mas também de que aumentaram as chances de que a economia mundial sofra as consequências da política comercial de Trump e das várias convulsões geopolíticas que se alastram com rapidez mundo afora. O resultado foi a busca por ativos seguros, o que sempre significa saída de recursos de países emergentes. Para os que não seguem com atenção as minúcias dos mercados, os acontecimentos evidenciaram-se na cotação do dólar e na volatilidade da bolsa. Evidenciaram-se, também, no pedido de socorro da Argentina ao FMI.

A turbulência é para preocupar. Ela teve origem na leve alta dos juros dos títulos de 10 anos do Tesouro americano, de cerca de 2,8% na média de abril-maio para 3% nas últimas semanas. Até agora, meros 0,20 pontos porcentuais a mais na taxa do ativo mais seguro e líquido do mundo foram suficientes para desarticular posições em ativos de emergentes causando imensas flutuações. Imaginem quando os mercados passarem a precificar essas taxas ao redor dos 4%, nível considerado compatível com o atual estado da recuperação americana. É possível, inclusive, que com a taxa de desemprego norte-americana abaixo de 4% e os efeitos das políticas de expansão fiscal adotadas no final de 2017, o rendimento dos títulos do Tesouro supere os 4% nos próximos meses, o que não traz alento para os países emergentes. Há menos alento ainda quando se considera que o Banco Central Europeu pode estar se preparando para dar fim às políticas de estímulo monetário excepcionais assegurada a retomada da zona do euro. Portanto, o mais provável é que esses movimentos de reprecificação de ativos continuem a fazer refluir recursos de países emergentes para as economias avançadas, eliminando o quadro de liquidez abundante.

Nesse sentido, a Argentina pode ter sido o canário da mina de carvão, o alerta. Há muitos países emergentes com solidez macroeconômica suficiente para aguentar o tranco. Contudo, há também muitos países vulneráveis. Diante de possíveis riscos crescentes, bom seria se pudéssemos contar com o poder de fogo do FMI. Hoje, dispõe o FMI de cerca de US$ 1,4 trilhão para enfrentar turbulências financeiras e crises embrionárias, ou montante quase quatro vezes maior do que dispunha às vésperas da crise de 2008. O problema é que mais de 30% desses recursos provêm de arranjos bilaterais de empréstimos com 40 países-membros, e não das tradicionais cotas a partir das quais financia-se o FMI e confere-se aos países poder de voto. Os arranjos bilaterais foram solicitados e acordados depois que a 15ª revisão de cotas – o processo a partir do qual o FMI revisa periodicamente suas necessidades de recursos junto aos 189 países-membros – foi adiada. Que fique claro: a fonte tradicional de recursos para o FMI são as cotas dos países, calculadas a partir de fórmulas específicas. No entanto, nos últimos anos impasses levaram a instituição a financiar-se por meio de empréstimos diretos. 

Os atuais empréstimos ao FMI, no montante de US$ 450 bilhões, expiram em 2020. Ou seja, daqui a menos de dois anos pode ser que o Fundo conte com bem menos recursos do que conta hoje caso não se resolva o dilema das cotas e na eventualidade desses empréstimos não serem renovados. Preocupa a posição dos EUA. Membros do governo Trump responsáveis pelas organizações multilaterais já se posicionaram contra mudanças expressivas nas cotas ou aumentos de empréstimos dos EUA para manter o poder de fogo atual da instituição. Cabe lembrar que os EUA possuem poder de veto sobre as decisões do conselho do FMI, embora não possam impedir que outros países-membros aumentem unilateralmente suas contribuições à organização.

A possibilidade de que diminua em pouco tempo a capacidade do FMI de ajudar países em crise é extremamente preocupante nesse ambiente em que a era da liquidez abundante para emergentes chega ao fim. FMI em xeque e Argentina-canário não são auspiciosos para a economia global.

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