quinta-feira, 10 de maio de 2018

Ribamar Oliveira: Queda de braço entre o TCU e a Receita

- Valor Econômico

Guardia e Rachid tentarão resolver o problema

Na semana passada, os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) decidiram se abster de expressar conclusão sobre a confiabilidade e a transparência das informações referentes a créditos tributários a receber a cargo da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). A decisão, que é inédita, consta do acórdão 977/2018.

Os técnicos do TCU informaram aos ministros que, no decorrer de uma auditoria sobre as contas de créditos tributários a receber e da dívida ativa tributária, constantes do balanço patrimonial do Ministério da Fazenda, solicitaram diversas informações à RFB, que foram negadas sob o argumento do sigilo fiscal.

Eles explicaram também que, apesar de terem sido disponibilizadas duas salas para a equipe de auditores, "apenas foi realizado o cadastro de acesso à rede interna (intranet) para os membros da equipe" e que "nenhum acesso de consulta aos sistemas da RFB foi efetivamente concedido".

Por causa do que chamaram de "restrições de acesso" às informações econômico-fiscais dos contribuintes, os auditores disseram que "não foi possível atestar os valores da conta de créditos tributários em nível de transação ou registro, haja vista a impossibilidade de adentrar nos dados individualizados". Por isso, "a equipe de auditoria não teve outra alternativa a não ser propor se abster de expressar conclusão sobre a confiabilidade e a transparência das informações referentes aos créditos tributários a receber".

A recomendação dos auditores foi acolhida pelos ministros do TCU. O presidente do Tribunal, ministro Raimundo Carrero, propôs que fosse incluído no acórdão um item determinando que o presidente Michel Temer seja informado de que "a obstrução aos trabalhos de fiscalização ocorrida na auditoria financeira realizada nas demonstrações contábeis do Ministério da Fazenda do ano de 2017 pode impactar no exame da prestação de contas do governo federal no referido exercício". A proposta foi aprovada.

A irritação dos ministros do TCU pode ser melhor avaliada pela decisão de determinar a abertura de processo para apurar a responsabilidade pelo não fornecimento de informações requeridas à equipe de auditoria do Tribunal.

Consultada pelo Valor, a Receita garantiu que, em nenhum momento, fez qualquer tipo de restrição ao acesso dos auditores do TCU aos dados das contas dos créditos tributários a receber e que sua atuação foi baseada nos convênios firmados com o Tribunal, que tratam do fornecimento de dados. "Todas as informações solicitadas foram fornecidas, com o cuidado de preservar o sigilo fiscal dos contribuintes", disse o secretário-adjunto a RFB, Paulo Ricardo de Souza Cardoso, em entrevista ao Valor.

Ele informou ainda que o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, solicitaram audiência ao presidente do TCU para verificar quais as informações sobre os créditos tributários o Tribunal ainda deseja obter, como a RFB pode disponibilizá-las e se é necessário mudanças nos convênios que regulam o fornecimento de dados.

Durante a sessão do TCU, o relator da auditoria, ministro Vital do Rêgo, disse que não houve qualquer tentativa por partes dos auditores de afrontar regra que assegura o sigilo fiscal. "Os dados solicitados atenderam a jurisprudência desta Corte, que estabelece a necessidade de anonimizar tais informações", explicou. Ou seja, tornar anônima a informação de tal forma que os contribuintes não sejam identificados, preservando o sigilo fiscal.

A queda de braço entre o TCU e a Receita se dá em torno da contabilização dos créditos tributários a receber no balanço patrimonial do Ministério da Fazenda. Esses créditos representam os valores tributários devidos pelos contribuintes e que ainda estão em fase de cobrança administrativa, observados os prazos legais para pagamento.

Mesmo sem chegar a uma conclusão sobre a confiabilidade das informações, os auditores do TCU apontaram fragilidades nos controles e registros da RFB, que podem ter afetado o saldo da conta de créditos tributários do Balanço Geral da União (BGU) em 2017.

Uma delas, segundo o Tribunal, é o reconhecimento indevido de créditos tributários de empresas ativas, mas não plenamente operacionais, ou seja, empresas em situação de recuperação judicial, extrajudicial, em processo de falência ou falida. Só esta questão estaria superavaliando o ativo da União em R$ 1,09 bilhão.

A Receita rebateu dizendo que as recomendações do TCU já tinham sido atendidas e que "mais de R$ 3 bilhões foram arrecadados durante o ano de 2017 de empresas em situação cadastral diferente de ativa".

Outra fragilidade apontada pelos auditores do TCU é o reconhecimento indevido de créditos tributários de empresas inativas (classificadas em inaptas, suspensas, baixadas e nulas) que estaria acarretando uma superavaliação de ativo em R$ 2,25 bilhões. A RFB alegou que entre as empresas baixadas existem "empresas incorporadas, fundidas, bem como as empresas em recuperação judicial que, durante todo o processo de recuperação, continuam operacionais e possuem como requisito o recolhimento tempestivo das suas obrigações tributárias".

Os auditores apontaram também o reconhecimento indevido de créditos tributários vencidos há mais de 15 anos, que geraria uma superavaliação do ativo da ordem de R$ 3,04 bilhões. A RFB alegou que o vencimento de débitos difere do momento em que o débito passou a ser exigível e que um débito com vencimento na década de noventa pode demorar mais de uma década para se tornar exigível em função da possibilidade do contribuinte de impugnar e realizar recursos administrativos, suspendendo assim a exigibilidade do crédito.

Os auditores apontaram ainda o reconhecimento indevido de créditos tributários prescritos e a ausência de exclusão, por inadimplência, de contribuintes em parcelamentos de créditos tributários, em face de não atendimento às condições impostas pelas leis específicas, o que demonstraria falta de controle de inadimplência. A RFB alegou ter controle sobre os parcelamentos que administra, bem como possuir ferramentas para exclusão automática, implantadas ou em fase de desenvolvimento.

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