quarta-feira, 13 de junho de 2018

Maitê Proença: A bola no centro

- O Estado de S. Paulo

Volto a escrever. Volto? São tantas as opiniões sobre todos os assuntos. Blogs, feices, livros a discorrer, afirmar, atestar, vaticinar, dar a palavra final. Devo? Posso invadir sua praia, sua cabeça abarrotada? Pra onde foram as considerações fundamentadas, o ponderar, a reflexão? E o silêncio? Posso fazer barulho, meter minha pena nesse entulho pra falar, veja só, de futebol?!

Durante quase três anos, fui debatedora de um programa com temática esportiva. O Extra Ordinários estreou na Copa de 2014 inaugurando um conceito divertido: num canal em que os âncoras eram especialistas em esporte trajados com uniforme, o nosso bando era de leigos, vestia-se como queria, e tinha no futebol apenas um pretexto pra falar da vida. Éramos um roqueiro, um historiador, um jornalista e uma atriz, sendo esta a/o mais leiga entre os rapazes.

Até então, meu convívio com nosso tema orbital era diminuto, mas fui pegando jeito, gostando do papo, me entendendo com o assunto e driblando as tecnicalidades com observações subjetivas. Deu caldo. Lá pelas tantas, a coisa ia tão bem que ganhei de Carlos Monte, pai da Marisa, uma marchinha em que figurava como musa do Botafogo. E agora, por ironia, cá estou novamente, em tempo de Copa, a falar da bola.

Acho até que gosto disso. De qualquer forma, não importa minha expertise, sou brasileira e basta; como você, também entendo do riscado.

Há muitas versões para a origem do futebol e uma delas é que teria surgido na China há 5 mil anos, com guerreiros, em êxtase sanguinário, chutando os crânios de seus derrotados, de uma aldeia a outra. Na Idade Média, junto com a seda e o macarrão, a diversão chega à Itália, já com as cabeças substituídas por uma ingênua bola de couro e com apenas 40 jogadores de cada lado.

Os séculos se passam e o esporte pousa na Inglaterra ganhando balizas e regras semelhantes às que aplicamos hoje. Só em 1800 o football aportou no Brasil, mas não pra toda a gente, e sim como sofisticado brinquedo da elite branca, este termo um pouco surrado do Fla-Flu político.

Foi Arthur Friedenreich, filho de um comerciante alemão com uma lavadeira negra, que fez o futebol mudar de cor. Seu talento deslumbrou geral e abriu as avenidas pelas quais craques de todas as etnias agora desfilam sua mágica para um mundo de joelhos.

Certa noite, ao observar meus colegas de programa a discorrer, inflamados, sobre um “foi não foi” impedimento, me dei conta de que, apesar de ter os olhos fixos na jogada do monitor, não prestava atenção, propriamente, na bola. Aliás, a bola não requeria fração de meu interesse. Meu olhar se alternava entre as sombras dos postes no gramado, um jogador que manquitolava, o outro que suava demais... A bola exatamente, opa, cadê ela? Não estava em meu escopo.

Talvez fosse por isso que tantas questões debatidas à exaustão me parecessem dispensáveis. Até então, imaginava que eram os temas que não justificavam um dia inteiro de considerações, em todos os programa anteriores e, às 23h, também no nosso. Mas não. Se a bola prendesse o meu olhar, no lugar das cores da arquibancada, da expressão frustrada do jogador, da quadragésima terceira cusparada em campo – passei a contar, eles cospem pra tudo –, se dispensasse as delícias que me ocupavam a mente e olhasse a esfera de couro a rolar, ficaria também indignada com os esquemas, as jogadas, os passes, as faltas. Como acontecia com meus parceiros, e o resto do mundo, e como é o caso, imagino, de todos os escritores e jornalistas que discorrem sobre o futebol.

Nesta Copa prometo corrigir o desvio. Minha relação com a bola será a do goleiro em marcação de pênalti. Serei um sentinela, um soldado da bola. Apaixonado. Se manterei a palavra, bom, você será meu juiz.

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