sexta-feira, 15 de junho de 2018

Maria Alice Rezende de Carvalho[1] : Werneck Vianna: Pensamento e Ação Política

Diálogos Gramscianos sobre o Brasil Atual (entrevistas com Luiz Werneck Vianna, seleção de Paula Martins Salles), da “Coleção Brasil e Itália”, da Fundação Astrojildo Pereira com a Fondazione Istituto Gramsci (de Roma) e a Verbena Editora (de Brasília). Lançamento em breve

Prefácio do livro 

Este livro é fruto da trajetória recente de um intelectual gramsciano, referência para várias gerações de acadêmicos e políticos brasileiros, cujas análises de conjuntura assumem aqui a forma de entrevistas concedidas a jornalistas muito qualificados: Gabriela Wolfart, Marcia Junges e Patrícia Fachin, da Revista do Instituto Humanitas (Unisinos), Alexandra Martins, Juliana Sayuri e Wilson Tosta, de O Estado de São Paulo, Chico Santos e Cristian Klein, do Valor Econômico, e Guilherme Evelin e Marcelo Moura, da Revista Época. As entrevistas cobrem um período largo de tempo (2007-2018), abrangendo desde o segundo mandato do Presidente Lula até o impeachment da Presidente Dilma e sua substituição pelo atual Presidente Michel Temer – quadra em que a política vem tropeçando em severos limites e a sociedade brasileira não entrevê claramente uma passagem para o futuro. A reunião dessas reflexões sobre o país, sua história, seus intelectuais e suas esquerdas, desenvolvidas no corpo-a-corpo com seus interlocutores, revela a agudeza de Luiz Werneck Vianna em diálogos poucas vezes tão diretos e inspirados.

O eixo que estrutura este conjunto de entrevistas é, mais uma vez, como em toda a sua obra, a crítica à centralidade desempenhada pelo Estado no processo de modernização do Brasil – um Estado que, de cima para baixo, invade e modela a vida social, controlando e, principalmente, contendo as classes subalternas em sua busca por autonomização social e política. É a isso que Werneck Vianna se refere quando afirma que o Brasil conheceu “um processo de modernização sem o moderno”. O oposto dessa “estatalização da vida social” seria a modernização norte-americana, guiada por uma sociedade livremente organizada em torno de seus interesses.

Alexis de Tocqueville e em muito maior medida Antonio Gramsci são, pois, as referências implícitas e explicitas nas entrevistas de Werneck Vianna – especialmente os textos que Gramsci dedicou ao Risorgimento e ao americanismo, ambos contidos nos Cadernos do Cárcere, iniciados em 1929. Aquela foi a década em que Gramsci já apresentava uma insanável divergência com a forma econômico-corporativa do Estado soviético e se dedicou a elaborar a questão da ampliação dos recursos hegemônicos da classe no poder – o que resultou numa reflexão sobre o fordismo e seus efeitos na vida social e política norte-americanas. Enfim, o diálogo teórico que Werneck Vianna promove entre Tocqueville e Gramsci, já desenvolvido em A revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 2004) reaparece aqui, nesse notável esforço de reconstrução analítica do tempo de ascensão e queda do PT.

A organização desta coletânea privilegiou o critério cronológico e não temático. Mas o resultado inesperado dessa escolha foi a constatação de que, ao longo da última década, Werneck Vianna lidou com três grandes temas, que serviram de pano de fundo para suas reflexões acerca das diferentes conjunturas. Um dos temas, visível nas entrevistas realizadas durante o segundo mandato do Presidente Lula (2007-2010), diz respeito à aderência do PT à tradição brasileira, abrindo mão da construção do moderno entre nós. Sindicatos e movimentos sociais que, no contexto de ascensão daquele partido, foram valorizados por sua autonomia e participação política, tornaram-se parte do Estado e cativos do governo. Em suma, para Werneck Vianna, uma vez no poder, o PT aprofundou a experiência burguesa no Brasil, tutelando os movimentos sociais e mantendo a sociedade desorganizada com políticas de clientela de massa.

A segunda grande questão presente nestas entrevistas acompanha a “era Dilma” (2011-2014). Animado, de início, com a possibilidade de que a Presidente, por suas características pessoais como gestora e pelos sinais que a economia mundial começava a emitir, viesse a desamarrar o mundo dos interesses, tornando-o solto do Estado e de seus controles, Werneck Vianna logo reconheceria que “longe de se voltar contra o seu patrono”, Dilma não abriu mão do arranjo político e institucional do governo Lula, fracassando na intenção – se a teve – de inovar. Aspecto de grande relevo naquela conjuntura, pela repercussão que teve nas esferas política e acadêmica, foi o debate sobre o desenvolvimentismo e o sentido que assume nesse início do século 21, quando já se encontrava destituído da agenda emancipatória do seu congênere dos anos de 1950 e divorciado de sua marca nacional-popular. Esse é um dos pontos altos das entrevistas realizadas com Werneck Vianna, pois mobiliza o seu conhecimento histórico em aproximações e distinções entre Vargas e Lula, entre tradições distintas de esquerda e de projetos intelectuais.

O último grande tema dessa coletânea é o do desprestígio da política como resultado de uma década em que se visou, principalmente, a reestruturação do capitalismo brasileiro. A domesticação dos movimentos sociais terá contribuído imensamente para isso, assim como o presidencialismo de coalizão, que, do modo como é praticado no Brasil, conforma uma base parlamentar lenta, paquidérmica, que estimula o decisionismo do Executivo. Por fim, também a ação destemperada dos operadores da luta anticorrupção – os “Batmans” institucionais – concorre para o abatimento da política. Como diz o autor, “no processo de combate à corrupção, a ordem racional legal avança, se aprimora, se aperfeiçoa. No entanto, o que tento combater é a visão salvadora, justiceira, messiânica do papel policial para a erradicação dos nossos males. Esses processos tendem a aprofundar o fosso entre a sociedade e a política”.

Pessimismo? Não é a impressão que se extrai deste livro, porque nas dobras da dura percepção de Werneck Vianna sobre o Brasil contemporâneo se encontra uma firme aposta no futuro. As ruas de 2013, as novas gerações, o esgotamento do presidencialismo de coalizão e do tipo de articulação que enreda Estado e sociedade abrem, para o autor, uma porta para a mudança, para a construção de um novo vocabulário político, para o aprofundamento da democracia.

Este livro é uma excepcional reconstrução analítica da última década brasileira e um guia para novos tempos democráticos, resultado da reflexão de um dos mais importantes representantes do pensamento de Antonio Gramsci no país.
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[1] Professora do Departamento de Ciências Sociais e integrante da Coordenação do Centro de Estudos Direito e Sociedade/Cedes da PUC-Rio

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