quinta-feira, 21 de junho de 2018

Maria Cristina Fernandes: A aliança dos fura-teto

- Valor Econômico

Tem pelo menos uma promessa que vai ser cumprida

Das promessas feitas pelos candidatos à Presidência da República, é possível confiar que, pelo menos uma, será cumprida: a mudança na lei do teto de gastos. E a razão é simples. A emenda constitucional já chegará ao fim do governo Michel Temer em frangalhos. No ritmo que a coisa vai, só os programas sociais e o funcionalismo desarticulado continuarão submetidos aos seus limites. Setores com poder de barganha, como empresários do setor de transportes e magistrados, ou ainda servidores abrigados na circunscrição eleitoral de seletos senadores, dela terão escapado.

A esta lista, como revelou o Valor (19/6), acrescentem-se interesses envolvidos no enroscado novelo dos precatórios judiciais. Aprovada no início do governo Michel Temer com adesão entusiasmada daqueles que viam uma nova ordem a surgir pelas mãos de um MDB subitamente convertido ao fiscalismo, a lei do teto foi solemente ignorada à luz do dia e por unanimidade com a aprovação da emenda 99 no fim do ano passado.

Tramitava, na Câmara, proposta de emenda constitucional egressa do Senado, que estendia em quatro anos o prazo inicialmente estabelecido pelo Supremo para a quitação integral das dívidas que a fazenda pública foi condenada a pagar. Os precatórios judiciais poderiam esperar até 2024. O projeto, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), já polemizara com o Judiciário em sua Casa de origem por ampliar as alternativas para a quitação dessas dívidas.

Incluem-se aí desde a indenização de desapropriações milionárias e despropositadas até pensões de octogenários que aguardam há décadas pelo que lhes é devido. Para quitar esses precatórios, Estados e municípios passaram a fazer qualquer negócio - compensação com crédito tributário, como o de ICMS, e troca por títulos que passaram a ser negociados no mercado com deságio. A receber uma dívida de R$ 100 mil num futuro incerto, por exemplo, credores passaram a aceitar receber R$ 40 mil.

Nenhuma opção para o pagamento de precatórios gerou tanta polêmica, no entanto, quanto o uso de provisões de litigantes em disputa com o Estado, os chamados depósitos judiciais. A Procuradoria Geral da República contestou a decisão sob o argumento de que o Estado não poderia confiscar um recurso que não lhe pertence. Os bancos públicos, onde os depósitos ficam custodiados, também contestaram. Deixariam de ganhar com a redução dos recursos sob sua proveitosa administração. O ministro Luis Roberto Barroso acabaria por liberar, sob condições, o recurso a essas provisões. Os percalços jurídicos persistiriam. Levantamento do professor Gustavo Fossati (FGV-Rio) mostra que pelo menos seis Estados (MG, BA, AL, PB e PI) ainda enfrentam ações contra o uso dos depósitos judiciais.

Ao chegar à Câmara, nova janela se abriria sem provocar qualquer barulho porque beneficiada por um pacto de silêncio. Quando a sessão da Câmara que abriu mais um rombo no teto teve início, no fim da tarde de 6 de dezembro do ano passado, o texto do substitutivo já estava pronto. O relator e o presidente da comissão que discutiu a emenda, Arnaldo Faria de Sá (PP) e Silvio Torres (PSDB), eram egressos de São Paulo. Estado e capital são detentores de metade dos precatórios do país. Três horas depois, o texto estava aprovado por 390 votos a favor, de todos os partidos, e nenhum contra. No dia seguinte, voltaria ao Senado com uma tramitação fulminante. Foi votado sem parecer de comissão. Em cinco dias seria aprovado sem contestação.

Agora que a porta foi arrombada, a Fazenda tenta retardar a liberação da linha de crédito aos Estados mas, à época, nenhum dos governistas foi acionado para impedir a aprovação da medida. Em 2016, a aprovação da PEC dos gastos garantiu os melhores índices do Ibovespa no ano. Desde o início deste ano, o mercado de títulos lastreados em precatórios já estava aquecido na expectativa de que os combalidos cofres públicos viriam a oferecer mais garantias ao negócio. Acertou em cheio.

Alckmin veste a farda de Alvaro
O candidato tucano à Presidência da República, Geraldo Alckmin, resolveu seguir os passos de Alvaro Dias. O senador paranaense, candidato pelo Podemos, já começa a aparecer, nessas pesquisas telefônicas diárias encomendadas por instituições financeiras, à sua frente. Em abril, Dias convidou o general Adriano Pereira Junior, ex-comandante militar do Leste, para elaborar seu plano de governo na área de segurança pública. Três meses depois, Alckmin foi atrás do general João Camilo Pires de Campos, comandante militar do Sudeste até abril, para ocupar funções semelhantes em sua campanha.

A ocupação de postos estratégicos nas campanhas presidenciais por generais da reserva é uma demonstração de que o avanço das Forças Armadas sobre atribuições civis registrada no governo Michel Temer pode ter vindo para ficar.

Além de reabilitar o status de ministério do Gabinete de Segurança Institucional (Sérgio Etchegoyen) e confirmar o primeiro titular militar em 20 anos de existência do Ministério da Defesa (Joaquim Luna e Silva), Temer avalizou a presença inédita de militares da reserva em cargos estratégicos como a chefia de gabinete (general Roberto Severo Ramos) da principal antessala (Casa Civil) da Presidência da República.

As operações de Garantia da Lei e da Ordem no Rio e na desobstrução das rodovias também abriram um precedente para a presença militar na elaboração dos programas de governo. Mas o mérito não é apenas de Temer. À sombra da ascensão do deputado Jair Bolsonaro na disputa presidencial, já se contabilizam 98 candidatos egressos das Forças Armadas nas eleições de outubro. São 51 candidatos a deputado federal, 38 a deputado estadual ou distrital, três ao Senado, três a governos estaduais (CE, DF e MA), além daquele que lidera a disputa nacional na ausência do ex-presidente Lula.

O Acre é o único Estado sem candidaturas militares. O PSL, de Bolsonaro, é o líder inconteste em filiação partidária (46) desses postulantes. É seguido, de longe, pelo PRP (9) num espectro que vai do PP à Rede, de Marina Silva, mas deixa de fora petistas e o PDT de Ciro Gomes.

Na melhor das hipóteses, esta bancada de candidatos e estrategistas pode levar o país a dar um passo atrás na proibição do porte de armas, conquista civilizatória que se mantinha a salvo do desastre nacional.

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