segunda-feira, 30 de julho de 2018

Arbítrio à solta: Editorial | Folha de S. Paulo

Inquérito aberto contra professor da UFSC por causa de uma entrevista evidencia que apuração de desvios descambou para intimidação inaceitável

Não vinham sendo poucos, nem insignificantes, os indícios de abuso de autoridade na Operação Ouvidos Moucos, que investiga supostas irregularidades na Universidade Federal de Santa Catarina.

Como se sabe, a investida policial levou à prisão, em setembro de 2017, do reitor da instituição, acusado de tentar obstruir o esclarecimento dos fatos. Libertado depois de 18 dias, Luiz Carlos Cancellier encontrou a própria morte, ao atirar-se do sétimo andar de um shopping de Florianópolis.

Tendo deixado um bilhete no qual se declarava inocente de qualquer delito e responsabilizava a operação por seu ato, o reitor foi naturalmente visto, na comunidade acadêmica e por setores da opinião pública, como uma vítima da sanha persecutória que estaria a predominar entre os órgãos voltados as a combater a corrupção.

Se havia ainda alguma dúvida quanto aos exageros e ao comportamento arbitrário nesse caso, os últimos acontecimentos são suficientes para dissipá-la em definitivo.

Face a modestas manifestações ocorridas na universidade, por ocasião de seu aniversário de 57 anos, a Polícia Federal passou a agir contra um docente da instituição, tornando-o suspeito de cometer crime contra a honra da principal encarregada da Ouvidos Moucos.

Num programa televisivo feito por alunos da UFSC, o professor Aureo Mafra de Moraes fazia homenagens ao reitor morto, tendo atrás de si cartazes que propagavam a versão de que seu suicídio fora causado pelas acusações de que fora vítima —nenhuma delas, aliás, comprovada até agora.

Faixas condenando o abuso de poder e indagando sobre quem teria matado o reitor também apareciam, com fotos da delegada Erika Marena e de uma juíza.

Esse gênero de protesto, legítimo em qualquer democracia, e ainda mais num ambiente de liberdade como é o de uma instituição acadêmica, motivou iniciativas de claro conteúdo intimidatório.

Um delegado exigiu que o professor Aureo Mafra de Moraes nomeasse os responsáveis pelo evento. Outro delegado, depois de saber da reportagem, considerou que a chefe da operação deveria ser consultada: teriam as faixas agredido sua honra pessoal?

Ela considerou que sim, abrindo-se inquérito policial contra o professor e os alunos. Também o atual reitor, Ubaldo Balthazar, foi interrogado sobre o episódio —que, no máximo, expressava o apoio da comunidade universitária a um de seus membros, morto tragicamente e acusado sem fundamento sólido conhecido até agora.

Intimidação e arbítrio se mostram evidentes, dando indicação do despreparo de autoridades da PF para agir numa democracia —e do quanto se podem desacreditar as ações anticorrupção quando se desenrolam num clima de prepotência e amedrontamento.

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