sexta-feira, 6 de julho de 2018

Bernardo Mello Franco: Chile pune, Brasil acoberta

- O Globo

Victor Jara era cantor, poeta e diretor teatral. Em setembro de 1973, foi capturado pelos militares chilenos que derrubaram o governo de Salvador Allende. Arrastado à tortura, teve a língua cortada, os dedos quebrados e a pele queimada com brasa de cigarro. Seu corpo foi encontrado cinco dias depois do golpe, com 44 perfurações de bala.

Vladimir Herzog era jornalista e diretor da TV Cultura. Em outubro de 1975, apresentou-se para depor no DOI-Codi, centro de repressão do Exército em São Paulo. Ele foi torturado e morto no mesmo dia. Os militares apresentaram seu corpo com uma tira de pano enrolada no pescoço, numa simulação grosseira de suicídio.

Nesta semana, os dois casos tiveram desdobramentos opostos. Na terça-feira, a Justiça de Santiago condenou oito oficiais do Exército chileno pelo assassinato de Jara. Eles foram sentenciados a 18 anos de prisão pela morte do artista. Outro oficial pegou cinco anos de cadeia por ajudar a encobrir os comparsas.

Na quarta-feira, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por não punir os assassinos de Herzog. A sentença reconhece o caso como um crime contra a Humanidade e afirma que seus responsáveis não podem ser protegidos por prescrição ou anistias.

Poucos crimes da ditadura foram tão investigados quanto a morte de Herzog. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade identificou sete envolvidos no assassinato. A lista inclui cinco militares chefiados pelo coronel Audir Santos Maciel e dois legistas que assinaram o laudo com a falsa versão de suicídio.

A Justiça já mandou retificar o atestado de óbito para registrar que o jornalista morreu sob tortura. No entanto, nenhum responsável pelo crime foi punido até hoje. Os militares continuam protegidos pela Lei da Anistia, mantida pelo Supremo Tribunal Federal em 2010.

Apesar dos pedidos da Procuradoria-Geral da República, a Corte se recusa a rediscutir o perdão aos crimes da ditadura. A última ação sobre o tema repousa há quatro anos no gabinete do ministro Luiz Fux. A impunidade dos torturadores é um incentivo à permanência da tortura em delegacias e prisões. Enquanto o Chile acerta as contas com seu passado sombrio, o Brasil continua a acobertá-lo.

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