segunda-feira, 23 de julho de 2018

Carlos Melo: ‘Os economistas viraram as costas para a política’

Cássia Almeida | O Globo

Cientista político do Insper afirma que o cenário já estava deteriorado, mas as expectativas econômicas não refletiam a falta de governabilidade

• A instabilidade política tem afetado a economia?

Os economistas demoraram muito a perceber como a situação política estava se deteriorando e os efeitos disso na economia. Os economistas viraram as costas para a política. Com Dilma (Rousseff ), achavam que o (ex-ministro da Fazenda Joaquim) Levy ia fazer o ajuste fiscal. Depois, que o impeachment resolveria a situação, que o (ex-ministro da Fazenda Henrique) Meirelles resolveria a crise a ponto de deixar (Michel) Temer numa condição de candidato este ano. Depois começaram a dizer que o (ex-prefeito de São Paulo João) Dória ia bem nas pesquisas e que o (ex-governador de São Paulo Geraldo) Alckmin vai fazer as reformas. Chegam a dizer que o (deputado Jair) Bolsonaro, com o economista liberal Paulo Guedes, vai fazer as reformas. Percebe a loucura disso? O mercado quer sempre encontrar um lado positivo, sempre obscurece a situação crítica que estamos vivendo.

• A política tem ditado o comportamento da economia?

Não só agora, mas sempre. A economia não tem autonomia. Funcionam juntas. Essa história de que a economia tem autonomia e não depende da política, como se dizia no começo deste ano, não existe. Em poucos momentos, a economia conseguiu influenciar a política: no milagre econômico nos anos 1970, no Plano Cruzado (1986), no Plano Real (1994) e no choque de crédito do governo Lula.

• Quais são as incertezas da política?

A primeira incógnita é se quem vai ganhar a eleição vai conseguir governar, aprovar reformas, vai ter maioria ou vai sofrer um impeachment.

• Mas o presidente Michel Temer conseguiu algum apoio do Congresso.

Houve uma renovação, com cerca de 15 mil cargos do PT que foram redistribuídos. Serviu para aprovar o teto de gastos, mas não serviu no segundo ano. E ainda teve o caso Joesley. A credibilidade foi se desgastando, foi perdendo o controle do processo. Não tinha autoridade política para apelar para a sociedade e controlar a voracidade do monstro. Parece que, enfim, acabou a ilusão em relação ao Temer ser um exímio articulador, que iria aprovar o que quisesse. Isso era cascata, balela. É um sistema baseado na fisiologia, mas os recursos fiscais acabaram e não permitem mais esse fisiologismo. Ele nunca passou perto de ser um estadista que tenha conseguido romper a lógica fisiológica e estabelecer a lógica de reformas.

• O próximo presidente pode esperar algum apoio no Congresso?

Há ciclos no presidencialismo de coalização. O primeiro governo é uma maravilha, há todos os cargos à disposição. Faz a redistribuição, e o presidente consegue maioria fácil. O fisiologismo é voraz. Negocia no começo do governo, três meses depois, quer mais. Vem a reeleição, você dá mais. Deu cargos, emendas, diretoria de estatal. O problema é que houve um ciclo de quatro mandatos, não houve renovação. No primeiro ano do segundo mandato de Dilma, houve o colapso do sistema, e ela não conseguiu aprovar nada. Faltaram habilidade e recursos. O centrão virou o dono da Câmara, baseado no fisiologismo, com crise fiscal terrível, o governo não teve o que dar e o resultado foi impeachment.

• Qual o perfil do candidato para esse momento do país?

A alternância de poder ajuda, mas o ideal é um candidato que tenha liderança política pessoal, que compreenda a importância de se comunicar. Não dá para ser um burocrata, tem que ser crível, persuasivo, carismático, para fazer a sociedade entender a necessidade das reformas. Um candidato que saiba construir as bases da governabilidade em outros termos. Uma base que se fixe na ideia da reconstrução do Brasil.

• Vê alguém com esse perfil entre as opções atuais?

Infelizmente, não.

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