quarta-feira, 18 de julho de 2018

Guerra comercial entra de vez nos cenários de curto prazo: Editorial | Valor Econômico

Os efeitos da guerra comercial deslanchada pelos Estados Unidos contra tudo e todos - União Europeia, Japão, parceiros do Nafta, China - começaram a aparecer nos cenários de curto prazo. O Fundo Monetário Internacional calculou que em 2020 ela será capaz de retirar 0,5 ponto percentual do crescimento global, uma previsão muito moderada que pode ser rapidamente suplantada pelo ativismo do presidente Donald Trump. Pesquisa do Bank of America com 231 gestores de fundos, com ativos de US$ 663 bilhões, aponta a guerra comercial como o principal risco global. Eles reduziram a alocação em ações por acreditarem que a perspectiva de lucros crescentes das empresas deixou de existir.

Trump está deixando de surpreender com suas iniciativas, entre outros motivos por sua coerência em promover um unilateralismo extremado, capaz de atropelar as leis mais elementares da economia e, politicamente, por cortejar líderes autoritários, como Vladimir Putin, e desdenhar dos aliados tradicionais dos EUA. Com uma equipe de fanáticos, que compartilha das severas limitações intelectuais do chefe, Trump deve mesmo seguir em frente e ampliar as retaliações comerciais contra os países que qualifica de "inimigos" dos americanos.

A ofensiva de Trump é um elemento especialmente perturbador agora, depois que a economia americana, sob os efeitos do pacote de corte de impostos, caminha para o aquecimento e para uma gradual - "por enquanto", segundo disse o presidente do Fed, Jerome Powell, ontem, no Senado - elevação da taxa de juros. Como o diferencial de crescimento entre as economias desenvolvidas se acentuou a favor dos Estados Unidos, a valorização do dólar deve prosseguir, ampliando as dificuldades de economias com altos déficits externos e modificando, em direção aos EUA, o fluxo de investimentos em portfólio.

Além disso, como observou o Fundo Monetário, o "crescimento se tornou menos sincronizado", com o rebaixamento da performance de Japão, China, União Europeia e Reino Unido, entre outros. Um dos elementos determinantes é o comportamento da economia chinesa diante do cerco americano. No segundo trimestre, ela cresceu 6,7%, quase nada menos que os 6,8% do trimestre anterior, mas o FMI estima que o país tende a diminuir seu ritmo com a ação conjugada de aperto doméstico ao setor financeiro e enfraquecimento da demanda externa.

"O balanço de riscos deslocou-se mais para o lado negativo, inclusive no curto prazo", aponta o FMI. "Os anúncios já feitos e os antecipados de aumento de tarifas e medidas retaliatórias de parceiros comerciais aumentaram a probabilidade de uma escalada de ações comerciais". Os riscos óbvios são a interrupção da recuperação global e piora do crescimento a médio prazo, por meio dos impactos na alocação de recursos, na produtividade e das incertezas que tolhem os investimentos.

A pressão conjunta de retaliações dos países atingidos, de aumento de preços internos que o protecionismo americano trará, do desarranjo de cadeias produtivas ordenadas em torno de empresas americanas e do desgaste político que tudo isso acarretará, pode colocar obstáculos às iniciativas de Trump. O presidente pode ter passado dos limites com sua bajulação a Vladimir Putin, cujos serviços secretos são suspeitos de interferir nas eleições americanas a favor de Trump. Trump disse que as investigações sobre o assunto eram um "desastre" para seu país e desdenhou das conclusões dos órgãos de inteligência americanos, preferindo ficar com a palavra do déspota russo.

Essa pode ter sido a gota d'água para muitos republicanos, que dominam as duas Casas do Congresso e terão de enfrentar as urnas em novembro. O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Bob Corker, acredita que chegou a hora de limitar os poderes do presidente de decidir sobre tarifas. O líder da Comissão de Finanças, Orrin Hatch, foi na mesma linha, instando Trump a desistir de ameaçar a todos com a guerra comercial, o que só "piora a economia".

O acirramento dos conflitos, estratégia de Trump, pode levar os republicanos a perderem o controle do Senado. Com isso, as investigações sobre a ajuda russa na campanha de Trump, que já afastaram alguns escroques que a dirigiram, tornarão a vida do presidente mais complicada. Sem uma reação doméstica vigorosa, Trump prosseguirá em sua agenda destrutiva, com sérias implicações globais.

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