quinta-feira, 12 de julho de 2018

Ribamar Oliveira: Despesa da União com juros vai subir

- Valor Econômico

O "buraco" a cobrir da 'regra de ouro' também aumentará

A despesa orçamentária da União com o pagamento de juros da dívida pública federal vai aumentar muito nos próximos anos, até atingir a astronômica quantia de R$ 391 bilhões em 2020 - R$ 110 bilhões a mais do que a previsão para este ano, de acordo com dados do Tesouro Nacional.

O aumento do gasto é explicado pelo forte crescimento da dívida pública, decorrente dos elevados déficits primários registrados desde 2014, e das características dos títulos colocados no mercado e que vencerão nos próximos anos. Há uma concentração maior de LTN e LFT, que pagam a totalidade de seus juros apenas no vencimento dos papéis. Ou seja, os investidores nesses títulos não recebem juros periódicos.

A métrica orçamentária para a despesa com juros é diferente daquela usada pelo Banco Central. Na metodologia do BC, que é usada nas estatísticas fiscais oficiais, o valor do título é atualizado diariamente pela incorporação de seus juros ao estoque da dívida. A isso se denomina "apropriação de juros". A despesa efetiva da União com os juros, do ponto de vista orçamentário, se dá apenas no momento do pagamento.

Um exemplo permite a compreensão mais fácil da diferença metodológica. Vamos supor que o Tesouro emita uma LFT no valor de R$ 1 mil, com prazo de cinco anos. Para simplificar, consideremos que a inflação seja zero e a taxa Selic (a taxa básica de juros da economia) seja de 6,5% ao ano, em todo o período.

Os juros apropriados no primeiro ano, pela metodologia do BC, será de R$ 65 (6,5% de R$ 1 mil), será de R$ 69,22 no segundo ano, de R$ 73,72 no terceiro, e de R$ 78,52 no quarto. Mas, em todos esses anos, não haverá pagamento efetivo, ou seja, o Tesouro não desembolsará um centavo.

No quinto ano, os juros apropriados serão de R$ 83,62 e os juros efetivamente pagos (no final da vida do título) será de R$ 370,07 (que nada mais é do que a soma dos juros apropriados em cada um dos anos do prazo do papel). O impacto no caixa do Tesouro e no Orçamento ocorre, no entanto, no último ano para este tipo de título.

O Tesouro Nacional explicou ao Valor que a perspectiva de recorrentes déficits primários "tornou necessária uma taxa de refinanciamento superior a 100% (captações em montantes superiores aos vencimentos da dívida) e as LFTs com prazo de seis anos passaram a ser emitidas em volumes expressivos dentro da estratégia da dívida".

O Tesouro argumentou que o incremento da quantidade desses títulos (com prazo de seis anos) no estoque da dívida permitiu o governo se financiar por meio de papéis de prazo superior ao prazo médio da Dívida Pública Federal (DPF), que era de 4,4 anos em dezembro de 2014 e de 4,2 anos em maio de 2018. "Tal estratégia permitiu ao Tesouro evitar pressão na estrutura de vencimentos no curto prazo", explicou o Tesouro.

Outro resultado da estratégia é o aumento nos fluxos de pagamentos da DPF nos próximos anos, não apenas dos juros, mas também do principal de títulos como a LFT. Os dados do Tesouro para o fluxo de pagamento de juros, que estão aqui informados, levam em conta a expectativa para os indexadores da dívida, o atual estoque de títulos públicos, bem como hipóteses quanto ao seu refinanciamento nos próximos anos, mantendo-se as linhas gerais do Plano Anual de Financiamento - PAF 2018.

A trajetória do fluxo de pagamento de juros é importante para efeito de cálculo da chamada "regra de ouro". A Constituição determina que as operações de crédito da União não podem superar o montante das despesas de capital - que compreendem os investimentos, as inversões financeiras e as amortizações da dívida pública. Este princípio constitucional ficou conhecido como "regra de ouro" das finanças públicas.

Assim, a dívida não pode aumentar para pagar despesas correntes, inclusive os gastos com juros reais da dívida pública federal. Se a despesa com juros reais cresce, o "buraco" a cobrir para cumprir a "regra de ouro" também aumenta, tornando ainda mais difícil a tarefa do governo de obedecer a determinação constitucional.

Para 2018, o Tesouro projetava, no início do ano, uma insuficiência de recursos para cumprir a regra de R$ 203,4 bilhões, que será coberta, principalmente, com o "lucro" contábil do Banco Central com as reservas internacionais, registrado no primeiro semestre. Para 2020, a insuficiência de recursos projetada pelo Tesouro é de R$ 307,3 bilhões. O aumento decorre, principalmente, da elevação das despesas com juros da dívida pública federal.

O "buraco" maior em 2020 implica a adoção, pelo governo a ser eleito em outubro, de um ajuste fiscal ainda mais rigoroso para cumprir a "regra de ouro", em seu segundo ano de mandato. Aprovar a reforma da Previdência Social não será suficiente.

O novo governo teria que promover cortes tão grandes nas despesas que paralisariam a própria administração pública, dado que a despesa discricionária (aquela que o governo pode reduzir, sem impedimentos legais) está, atualmente, em R$ 129 bilhões.

O cenário mais provável, portanto, dado o aumento inevitável e já contratado do "buraco" é que o futuro presidente da República encaminhe ao Congresso Nacional uma proposta de mudança do artigo constitucional que trata da "regra de ouro". O que se discute na área técnica, do governo e do próprio Congresso, é como será feita a mudança.

Começa a se desenhar um entendimento entre os técnicos de que, como está redigida, a "regra de ouro" tem apenas um aspecto punitivo, pois ela não prevê medidas para o ajuste fiscal necessário para manter as operações de créditos da União abaixo do montante das despesas de capital.

A regra atual não prevê também limites prudenciais, a partir dos quais o governo seria obrigado a adotar medidas de ajuste. Tudo isso está sendo discutido. A pior solução para o problema seria o próximo governo propor apenas a suspensão da "regra de ouro", mesmo que em caráter "temporário".

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