segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Chegou a hora de definir as prioridades orçamentárias: Editorial | Valor Econômico

Muitas pessoas ficaram impressionadas e outras até mesmo duvidaram da informação de que o déficit primário nas contas do governo federal atingirá R$ 124,3 bilhões neste segundo semestre, de acordo com projeção do Tesouro Nacional, divulgada pelo Valor.

O resultado negativo ocorrerá mesmo com uma elevação de R$ 15,4 bilhões na receita líquida do Tesouro. O valor do déficit, sem dúvida assustador, dá uma dimensão da realidade fiscal da União para os eleitores que escolherão o próximo presidente da República, em outubro. Os desafios são gigantescos e o eleitor precisa ter consciência da situação.

A deterioração das contas públicas decorre do crescimento continuado das despesas obrigatórias. Elas aumentarão R$ 56,1 bilhões no segundo semestre deste ano, na comparação com igual período do ano passado - uma elevação nominal de 10,5%, muito acima da inflação. As despesas obrigatórias estão crescendo mais do que a economia, há muito tempo.

Há um quadro na apresentação do resultado do Tesouro de junho, divulgada na semana passada, que deveria ser conhecido por todos. Neste ano, as despesas obrigatórias consumirão 98% da receita líquida do Tesouro. Isso significa que não há dinheiro para mais nada, para os investimentos e para o custeio da máquina pública. O governo é obrigado a se endividar para pagar essas despesas. Em outras palavras, mesmo que o governo corte todos os investimentos e paralise a administração, ainda assim não conseguirá registrar superávit em suas contas.

Apenas os gastos com benefícios previdenciários e com o pagamento dos servidores ativos e inativos vão consumir 71% de toda a receita líquida da União deste ano, de acordo com a apresentação do Tesouro. Em 2010, as duas despesas consumiam 53% da receita líquida. O gasto com benefícios previdenciários é o que mais cresce. A previsão do governo é que a despesa previdenciária crescerá 6,6% neste ano, na comparação com 2017. Ou seja, o gasto está aumentado acima da própria correção feita no limite da despesa da União para este ano, que subiu apenas 3%.

Em 2018, a despesa com o pagamento de servidores ativos e inativos será 6,4% maior do que a do ano passado. Ou seja, o aumento será maior do que a correção do teto de gastos. A mesma coisa aconteceu com os gastos com assistência social (LOAS e RMV), que subirão 4,3% neste ano.

Como as despesas obrigatórias estão crescendo acima da correção do teto para o gasto da União, o governo não tem outra alternativa para ficar dentro do limite instituído pela emenda constitucional 95: cortar aquilo que pode, ou seja, passar a tesoura naquelas áreas onde não há impedimento legal.

O problema é que quanto mais as despesas obrigatórias crescem acima da inflação, mais o governo terá que cortar em outras áreas para ficar dentro do teto. Na semana passada, o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Abilio Baeta Neves, enviou ofício ao ministro da Educação informando que terá que suspender o pagamento de quase 200 mil bolsas de estudo se não houver mudanças no orçamento da Capes no próximo ano.

Em nota oficial, divulgada na semana passada, o Ministério do Planejamento admitiu que houve, sim, uma redução do limite das despesas discricionárias do Ministério da Educação para 2019, que passaram de R$ 23,6 bilhões em 2018 para R$ 20,8 bilhões na proposta orçamentária para o próximo ano, em fase de elaboração.

O Planejamento informou que "o limite foi repassado proporcionalmente para a Capes" e disse que a redução decorreu "das restrições fiscais para 2019". Informou que "busca alternativas que permitam a redução de despesas obrigatórias que possam ampliar recursos para atividades prioritárias do governo". Uma alternativa, disse o Planejamento, seria adiar o reajuste dos servidores em 2019. Na sexta-feira, o presidente Michel Temer garantiu que não cortará os recursos para a Capes. O corte agora será em qual área?

Quando o teto de gastos da União foi instituído, o governo argumentou que ele obrigaria o Congresso Nacional a discutir as prioridades orçamentárias de cada ano. Ou seja, que para manter ou aumentar gastos em áreas prioritárias, os parlamentares seriam obrigados a cortar em outras áreas para que o limite para as despesas fosse mantido. Chegou a hora de definir prioridades.

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