segunda-feira, 6 de agosto de 2018

*Denis Lerrer Rosenfield: Percepções do novo

- O Estado de S.Paulo

Qual é, então, o sentido das mudanças exigidas pela sociedade?

O novo é percebido de diversas maneiras. Não há um sentido unívoco que seja compreendido pela opinião pública e pelos diferentes atores políticos. Cada um veicula a sua própria noção ao sabor das conveniências e das circunstâncias.

Nos últimos anos e, sobretudo, nos últimos meses fomos tomados pela ideia de que a sociedade brasileira estaria em busca do “novo” na política, sem que haja uma maior precisão a respeito. O que disso mais se aproxima é o desejo generalizado pela moralidade pública. É como se a vida do País se reduzisse à luta contra a corrupção, relegando a segundo plano as questões relativas às reformas de que o Brasil tanto precisa.

Até recentemente, o “novo” foi também identificado à entrada de outsiders na política, como se estivéssemos diante de uma novidade que poderia alterar o rumo das coisas. Alguns saíram, inclusive, com uma boa popularidade inicial em pesquisas de opinião, porém logo abandonaram a seara pública. A política tem agruras, violências e obstáculos que fazem com que mesmo os mais bem-intencionados não resistam ao seu teste inicial.

A questão reside em que medida o anseio social pelo novo se traduz por intenções de voto. Uma coisa é o desejo generalizado por mudanças, outra muito distinta é a sua concretização em escolhas propriamente eleitorais.

Haveria um descompasso entre a demanda de renovação política, assumida teoricamente pela sociedade, e as escolhas que se apresentam do ponto de vista político-partidário. A Lava Jato tornou-se um símbolo por encarnar a luta contra a corrupção, mas as intenções de voto, em boa parte, estão dirigidas à perpetuação de personagens políticos e partidos que são símbolos desta mesma corrupção.

A política é percebida por um setor importante da opinião pública como um lugar de tráfico de influências e de negociatas dos mais diferentes tipos, relegando o bem comum a uma posição subalterna. Identifica-se a velha política à atual classe dirigente, responsável por desvios e apropriação privada de recursos públicos. Portanto, a nova política deveria ser uma espécie de redenção da velha, salientando-se os aspectos de moralidade pública como sendo os mais relevantes.

Ocorre, contudo, que os problemas nacionais não se reduzem a uma visão que se esgotaria no combate pela moralidade pública, mas colocam na ordem do dia a urgência de reformas, cuja ausência pode conduzir o País a uma situação de insolvência. Entretanto, a necessidade de reformas não é percebida por um setor importante da sociedade como sendo algo indispensável. Ela mais bem representaria uma forma da “velha política”, e não da “nova”.

Vejamos sucintamente como se articulam estas relações entre a percepção do “novo” e do “velho” nas intenções de voto para a Presidência da República em algumas das candidaturas com maiores chances eleitorais.

O deputado Jair Bolsonaro está sendo o desaguadouro de boa parte da insatisfação da sociedade, por encarnar o “novo” na luta contra a corrupção e contra a atual classe política. Não importa, para esse efeito, que ele não seja um outsider, mas alguém com uma longa trajetória parlamentar. Ele conseguiu consolidar a imagem de que não guarda nenhuma relação com a atual classe política, recusando-se a qualquer aliança política que possa denegrir essa percepção. Seja dito a seu favor que o seu passado parlamentar é limpo do ponto de vista de atos de corrupção. Encarna, nesse sentido, na perspectiva da moralidade pública, o “novo” e o descompromisso com a atual classe política. Ademais, no contexto de descalabro nacional da segurança pública, sua luta contra a criminalidade aparece também como algo “novo”, tendo em vista a desatenção a este problema por todos os governos desde a redemocratização. Do ponto de vista econômico, não tem apresentado o seu programa de governo, embora venha sinalizando pela escolha de seu ministro da Fazenda, caso eleito, para posições de tipo liberal. Estaria, hoje, mais para o governo Castelo Branco do que para o governo Geisel.

O poste de Lula, seja quem for o(a) ungido(a), tem boas chances de estar presente no segundo turno, dada a forma empregada pelo PT para instrumentalizar as orientações do ex-presidente. Ocorre, aqui, um fenômeno particularmente interessante, pois são Lula, Dilma e o PT os principais responsáveis do descalabro fiscal, dos graves problemas econômicos e sociais do País, além de serem os principais atores dos crimes de corrupção. Isto é, a escolha pelo preposto de Lula seria uma opção pela “velha política”, apesar de ser apresentada como ideologicamente palatável graças a uma suposta luta por “direitos sociais”. Do ponto de vista econômico, o PT posicionou-se contra qualquer agenda reformista, contentando-se com a repetição dos velhos chavões de outrora.

O candidato tucano está, por sua vez, atravessado por contradições importantes. Para ganhar tempo de televisão, optou por uma composição partidária que em tudo reproduz à do atual governo, cuja impopularidade em boa parte reside nestas mesmas alianças. Geraldo Alckmin teria, então, feito uma escolha pela “velha política”, distanciando-se de um eleitorado que clama pela “nova política”. Aliás, foi este mesmo o discurso utilizado pelos tucanos para se distanciarem do atual governo. Perdeu, nesse sentido, o discurso da “nova política”, além de ter em seu partido vários ex-dirigentes envolvidos em investigações e condenações. Do ponto de vista econômico, sua agenda apresenta-se como reformista. Ocorre, porém, que os tucanos nos últimos meses se posicionaram frequentemente contra a agenda reformista do atual governo, vindo, inclusive, em vários momentos a torpedeá-la. E o fizeram dizendo que não aceitavam os métodos utilizados, isto é, os mesmos que estão sendo escolhidos atualmente nas novas alianças partidárias.

Qual é, então, o sentido das mudanças exigidas pela sociedade? Vão para “algo novo” ou visam ao restabelecimento do “velho”?
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*Professor de filosofia na UFRGS.

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