segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Fernando Limongi: Na primeira casa

- Valor Econômico

PT leva vantagem, mas é cedo para que saia cantando vitória

Lula, até o momento, deu de lavada nos adversários. Da prisão, comanda o show. O petista pode morrer na praia, mas é inegável que vem dando um baile em todos, incluindo este colunista. Entre o Datafolha da primeira semana de junho e o da semana passada, o ex-presidente pulou de 30 para 39 pontos na pesquisa estimulada, enquanto Jair Bolsonaro só galgou dois sofridos pontinhos, chegando a 19. Na espontânea, a arremetida Lula é ainda mais espetacular e significativa, atingindo 20, o dobro da última pesquisa. Seu perseguidor imediato passou de 12 a 15 pontos no mesmo período.

Os resultados de outros institutos trazem alguma variação, mas o retrato e as lições, como mostra o agregador de pesquisa do Jota, não variam significativamente. O PT avançou em passadas largas, Bolsonaro se moveu lentamente e os candidatos embaralhados no segundo pelotão (Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin) mal saíram do lugar.

O sucesso do petista gerou perplexidade e censura. Para os mais críticos, ao manter a candidatura do ex-presidente, o PT estaria flertando com a ilegalidade. A crítica erra o ponto. O partido não desafiou a ordem legal e não deu qualquer indicação de que ultrapassará a linha, afinal já definiu quem será seu verdadeiro candidato.

Lula não é o primeiro e nem será o último 'ficha suja' a se inscrever alegando inocência e se dizendo vítima de perseguição política. Este foi o caso do recém cassado Paulo Maluf, cujos votos foram inicialmente computados como nulos, mas acabaram resgatados e legalizados por uma operação capitaneada por Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Todos sabem que Lula não receberá o mesmo tratamento que Maluf, pois há uma distância enorme entre uma candidatura à presidência e uma à Câmara dos Deputados. O certo é que não há um cidadão de posse de seu juízo que acredite que Lula será candidato, em que pesem pronunciamentos da ONU e do New York Times em contrário.Tudo isto é parte da luta política e só os ingênuos poderiam supor que o PT não mobilizaria estes recursos para

obter votos. Sérgio Moro e os três do TRF-4 sabiam que isto ocorreria. Assim se joga o jogo da política.

Os responsáveis pela Lava Jato devem estar dando tratos à bola para interpretar os sinais emitidos pelas pesquisas eleitorais. A operação que comandam, antes tão popular, parece ter perdido seu encanto. Lula, condenado e preso, colocado no centro da organização criminosa no famoso slide de Deltan Dallagnol, é o preferido por 50% dos eleitores com renda até dois salários mínimos.

O apoio a Lula, contudo, precisa ser tomado pelo que efetivamente é. Ao responder uma pesquisa, o eleitor não faz mais do que expressar uma preferência entre as alternativas que lhe são oferecidas. Quando o entrevistador diz que Lula será candidato, ele é o preferido da maioria. A escolha resulta da comparação.

Assim, o sucesso de Lula não pode ser dissociado do fracasso da oposição para dizer ao que veio. Ou seja, o ex-presidente Lula surfa nas pesquisas porque a coalizão entre MDB e PSDB não entregou o que prometeu, isto é, não recuperou a economia e tampouco provou ser menos corrupta do que o PT.

Por isto, depois de beijar a lona em 2016, o PT encontrou forças para se reerguer. A corrida senatorial em Minas Gerais oferece um exemplo acabado de reversão de fortunas: Dilma Rousseff lidera as pesquisas em uma disputa que Aécio Neves foi forçado a evitar.

É cedo, contudo, para que o PT saia por aí cantando vitória. A substituição de candidaturas e a transferência de votos não pode ser dada como automática. O partido terá que lutar para reter os eleitores de Lula, convencendo-os que, de uma forma ou outra, faz pouca diferença votar no ex-prefeito ou no ex-presidente. Mas se fosse assim, o partido não teria problemas em assumir que Fernando Haddad será o candidato do partido.

Não falta quem evoque o apoio de Getúlio Vargas ao General Dutra. Nesta construção mitológica, o comando do líder, dias antes da eleição, teria sido suficiente para definir o vitorioso. Deixando de lado se isto de fato aconteceu em 1945, é interessante que não ocorra aos petistas se lembrarem de 2010, quando no auge de sua popularidade e no exercício da presidência, Lula se pôs a campo para fazer Dilma presidente. A experiência ensina que a transferência de votos pede preparo e esforço. Em outras palavras, os votos do líder das pesquisas ainda serão objeto de disputa. O PT leva vantagem, mas não deve dar como assegurado o sucesso final de sua estratégia.

Na ausência de Lula, Bolsonaro lidera as pesquisas. A despeito da consolidação do apoio conquistado, sua situação não é das mais confortáveis. Em cenário que lhe é francamente favorável, com seu principal adversário e razão de ser em evidência, o homem da caserna avançou com a lentidão de quem pilota um tanque de guerra enferrujado.

O fato é que a candidatura Bolsonaro estacionou. As bordoadas do candidato ainda não se mostraram suficientes para sensibilizar os mais pobres, as mulheres e os nordestinos. E o candidato parece já ter alcançado o teto entre os homens mais ricos e mais educados que constituem o grosso do seu eleitorado. Com esta base, não se ganha eleições.

A fragilidade do candidato é patente nas simulações do segundo turno. Bolsonaro seria batido por todos os demais candidatos. Assim, quem tiver senso e souber processar informação, concluirá que, no final de contas, o voto no capitão sairia pela culatra.

Em resumo, o jogo está avançado, mas ninguém se afastou muito da primeira casa.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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