sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Luiz Carlos Azedo: O “tipo ideal”

- Correio Braziliense

‘Havia dois tipos de dominação no governo Lula: a “tradicional”, muito bem representada pelas oligarquias patrimonialistas, e a “carismática”, representada pelo líder petista’

Chave da sociologia de Max Weber, o conceito de “tipo ideal” é uma espécie de ovo de Colombo. Serve para equilibrar a relação entre a subjetividade do analista e a objetividade do fato social. Quando desenvolveu esse conceito, o sociólogo alemão não se enquadrava nas principais correntes de pensamento de sua época, que eram influenciadas por gigantes como Friedrich Hegel, Karl Marx e Immanuel Kant, mas respeitava a todos. As obras mais conhecidas de Weber são A Ética Protestante e O Espírito do Capitalismo, que analisa a relação entre as religiões e o desenvolvimento do capitalismo, e A Política como Vocação, que trata da relação Estado, partido e sociedade, e conceitua os tipos de dominação em “legal”, “tradicional” e “carismática”.

Como outros intelectuais alemães de sua geração, Weber foi um crítico do totalitarismo. Morreu de gripe espanhola, em 1920, logo após a I Guerra Mundial. Ele admitiu, “a priori”, que toda pesquisa tem um ponto de partida subjetivo, estabelecido por seu autor, mas a objetividade de seu trabalho poderia ser assegurada com sistematização e padronização, para que o ponto de chegada fosse realmente objetivo. O “tipo ideal” é uma construção subjetiva do pesquisador, feita a partir de seus interesses. Com base na definição de um determinado conceito, são selecionados certos elementos da realidade que, reunidos, formam um tipo idealmente perfeito.

Conceitos não emanam diretamente da realidade, nem são formados apenas pela abstração genérica. Na visão weberiana, servem para acentuar e tornar compreensíveis determinados elementos da realidade. A narrativa do “golpe” contra a presidente Dilma Rousseff é uma espécie de “tipo ideal”, a partir da qual se constrói toda a lógica de atuação do PT no sentido de deslegitimar o seu impeachment e varrer para debaixo do tapete as responsabilidades dos governos Lula e Dilma em relação à crise econômica que o país atravessa e ao escândalo da Petrobras, considerado o maior do gênero em todo o mundo.

A partir desse conceito, a realidade é interpretada de acordo com os interesses do partido e possibilita a construção de um discurso ideológico, que unifica os militantes petistas e seus aliados. A realidade é explicada de acordo essa narrativa, desprezando e distorcendo fatos que não se coadunam com as teses petistas. Por exemplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar os números do desemprego: 3,16 milhões de brasileiros procuram emprego há mais de 2 anos. Trata-se do maior número da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012.

Esse número corresponde a cerca de 24% do total de desempregados no país, que ficou em 13 milhões no segundo trimestre. Na comparação com o primeiro trimestre do ano, houve um aumento de 238 mil no número de brasileiros que estão desempregados há mais de 2 anos. Desde o início da crise econômica, em 2014, ano da reeleição de Dilma Rousseff, esse contingente cresceu 162%. Ao todo, segundo o IBGE, são 27,6 milhões de brasileiros subutilizados, o que representa 24,6% da força de trabalho. O grupo reúne os desempregados, aqueles que estão subocupados (menos de 40 horas semanais trabalhadas), os desalentados (que desistiram de procurar emprego) e os que poderiam estar ocupados, mas não trabalham por motivos diversos.

Dominação
Tudo isso o PT joga na conta do presidente Temer, que assumiu o governo com uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) de 8,1%. Da posse de Dilma ao impeachment da petista, entre abril de 2014 e agosto de 2016, foram nove trimestres de quedas praticamente contínuas, na mais longa recessão no Brasil desde 1992. Somente em outubro de 2017, a recessão acabou. Para usar uma categoria weberiana, Dilma foi afastada, porque seu governo estava fundado na “dominação legal”, que pressupõe a aceitação das normas estabelecidas pela sociedade, no caso, a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal. A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex de Guarujá, que o tornou inelegível, tem o mesmo fundamento.

A Operação Lava-Jato demonstrou que havia dois tipos de dominação no governo Lula: a “tradicional”, muito bem representada pelas oligarquias patrimonialistas, e a “carismática”, representada pelo líder petista. Weber tomou emprestado do cristianismo esse conceito, conferindo-lhe sentido sociológico, e lhe atribuiu um poder de força revolucionária na história, por ser capaz de romper as formas normais de exercício do poder. Entretanto, a confiança dos dominados no carisma do líder é volúvel, mais cedo ou mais tarde, morrerá na praia da dominação tradicional ou legal. Esse é o ponto em que estamos na novela da candidatura de Lula a presidente da República, que caminha para ser impugnada.

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