sábado, 25 de agosto de 2018

Míriam Leitão: PSL: o liberal e o capitão

- O Globo

Convicção de ideias liberais do economista Paulo Guedes vem da vida toda, já a do candidato Jair Bolsonaro, ainda não se sabe se existe

A grande dúvida econômica em relação à campanha de Jair Bolsonaro é se as ideias liberais de Paulo Guedes entraram na cabeça do candidato do PSL à Presidência. “Não sabemos o quanto disso vai se converter em ideias liberais”, admitiu Guedes. “O economista vai propor coisas duras, o presidente vai dar uma amaciada, o Congresso vai dar outra amaciada, e vai sair de lá um negócio que não é o que o economista quis, mas também não é o que a turma queria.”

Qualquer processo de negociação altera o teor dos projetos, mas neste caso a dúvida é maior. Não há qualquer ponto de contato entre o liberal e o capitão. Ao longo da vida pública, o deputado Jair Bolsonaro votou contra todas as propostas de privatização, quebra de monopólio, previdência e até o Plano Real. Votou a favor de privilégios de parlamentares e entrou na carreira política em defesa do soldo de militares e policiais. Nada que nem remotamente lembre a pregação liberal de Paulo Guedes em toda a sua carreira de economista e empreendedor.

E o que está no programa, ou tem sido defendido por Paulo Guedes, é radical. Na entrevista que concedeu à Central das Eleições da Globonews, ele confirmou que calcula em R$ 2 trilhões o valor da venda de todas as participações do governo em estatais e de 700 mil imóveis da União. Na lista dos bens a serem privatizados está a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa. Tudo. A Eletrobras, também. “Vamos fazer o que o Temer está fazendo, só que mais rápido do que ele. A convicção vem de muito tempo.” A convicção de Paulo Guedes é da vida toda, mas a de Bolsonaro não se sabe se existe.

O mais relevante são as contradições no presente. O candidato Jair Bolsonaro, na entrevista que concedeu à Globonews, havia defendido a recuperação do valor das aposentadorias e pensões em salário mínimo. Nos governos Fernando Henrique e Lula, houve sempre aumentos reais do salário mínimo. Por isso, muitos que se aposentaram com um múltiplo do mínimo hoje recebem menos, nessa conta, ainda que tenham tido correção pela inflação. Se fossem reajustados agora, nova bomba explodiria sobre a Previdência. Perguntado sobre se isso seria adotado, Guedes admitiu que há divergências. Disse que haverá uma coalizão de centro-direita que vai tentar “convergir os sistemas”. E avisou: “Ninguém terá superpoderes, muito menos um economista.”

Guedes disse que um eventual governo Bolsonaro manterá o teto de gastos, mas avisou que o teto vai cair porque não há parede. Ou seja, sem a reforma da Previdência ele é inviável. Afirmou que o sistema previdenciário está falido e comparou-o a um avião que está ficando sem combustível e vai cair, “e nós estamos tentando colocar nossos filhos lá, isso é um crime.” Com essa imagem forte, o que ele quer dizer é que tem de ser criado outro sistema de capitalização, de contas individuais. Quanto custará? Se os jovens vão contribuir para uma nova previdência, o combustível no velho avião acaba mais rápido. O programa fala em um fundo, mas não informa de onde sairá o dinheiro.

Na área trabalhista, ele quer também um novo sistema. O programa defende uma carteira de trabalho “verde e amarela”, em vez da azul, que cria um regime de trabalho sem CLT. Nele, as normas seriam negociadas entre patrão e empregado. Perguntado sobre os subsídios à agricultura, disse que o setor ficará fora de sua alçada, mas que se depender dele não haverá. Bolsonaro tem buscado apoio no agronegócio.

O programa do PSL promete zerar em um ano o déficit público e para isso Guedes faz contas de pegar recursos que estariam disponíveis, como o que pode vir da cessão onerosa com a Petrobras, o fim do abono salarial, a devolução do BNDES, redução de isenções fiscais. Mas para os anos seguintes ele acredita que conseguirá privatizar “em um ataque frontal”. Imaginando que houvesse acordo para privatizar Petrobras e Banco do Brasil, levaria tempo para preparar o processo. Perguntado sobre isso, ele diz que está “fora da caixa”, ou seja, do pensamento convencional. O dinheiro seria usado para reduzir a dívida pública e diminuir o gasto com juros.

Guedes defende tirar da Constituição todas as vinculações constitucionais para que se possa fazer o orçamento a partir do zero, inclusive saúde e educação. Mesmo quem acha que rearrumar as contas públicas exige decisões radicais tem noção da extraordinária dificuldade de fazer isso. Quando perguntado sobre a distância entre ele e Bolsonaro, Guedes diz que “todo mundo muda devagar”. Mas afirma que o candidato tem aprendido mais rápido do que os economistas brasileiros.

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