segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Riscos no cenário eleitoral são piores do que os de 2002: Editorial | Valor Econômico

Mesmo depois de chegar a um pico de R$ 4,12 na semana passada, o dólar deverá apresentar muita volatilidade até as eleições presidenciais. A cotação vai reagir à qualidade do debate entre os candidatos, ao que cada um deles disser nas campanhas e às expectativas sobre quem sairá vencedor no pleito, afirmou o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, em entrevista ao Valor.

Hoje os riscos são mais graves do que os presentes em 2002, quando o mercado financeiro receava que, se eleito, o então candidato Lula fosse representar uma ruptura da política econômica do governo FHC. Outros economistas ouvidos peloValor, como o ex-presidente do BC, Gustavo Loyola e o ex-diretor do BC, José Julio Senna, compartilham a avaliação de Arminio, de que hoje a situação é mais dramática.

O lado positivo mais lembrado é a posição externa sólida do Brasil. O déficit em conta corrente atual é de cerca de 0,38% do Produto Interno Bruto (PIB), o país é credor externo líquido e as reservas internacionais chegam a US$ 370 bilhões. O Brasil entrou no processo eleitoral de 2002 com um déficit em conta corrente de mais de 4% do PIB e apenas US$ 34 bilhões de reservas internacionais, que representava uma fração da dívida externa, então de US$ 210 bilhões.

Como bem notou Arminio, porém, o baixo deficit em conta corrente é um sintoma de que algo vai muito mal com a economia. Com a recessão mal curada, as importações caíram dramaticamente. "É a mesma coisa que uma pessoa que emagrece porque está doente", disse. As crises de confiança que abalam o balanço de pagamentos, lembrou, costumam se alastrar pela conta financeira. As reservas internacionais podem funcionar como um amortecedor a eventuais fugas de capitais. Mas o seu montante atual, embora maior do que em 2002, não é tão grande assim como parece -equivalem a cerca de 17% do PIB.

O que pesa desfavoravelmente agora é a frágil situação das contas públicas e a quebra dos motores do crescimento econômico. Juntos, esses dois fatores criam uma dinâmica explosiva para a dívida pública. Em 2002, o mercado tinha muito medo do que poderia ser um governo Lula, mas a situação fiscal e monetária estava bem arrumada. Naquela ocasião, bastou o candidado dar sinais fortes de que não iria desfazer o ajuste fiscal. Hoje, há um sério desequilíbrio fiscal a ser equacionado.

Quando Lula assumiu, o superávit primário estava em 3,19% do PIB. Entre 2003 e 2004, o resultado fiscal foi elevado a 3,69% do PIB, o que significa um ajuste de 0,5 ponto percentual do PIB. Arminio estima que será preciso fazer um ajuste de 6 pontos percentuais do PIB para colocar a dívida pública em trajetória de queda.

O ajuste deverá ser ainda mais severo porque a economia perdeu a capacidade de crescimento de longo prazo - fato que ele atribui a políticas como a Nova Matriz Econômica, que derrubou a taxa de expansão da produtividade. Quando o PIB cresce menos, maior deve ser o esforço fiscal para reduzir a dívida publica na sua relação com o tamanho da economia.

Setores do mercado financeiro, sobretudo no exterior, acreditam que qualquer candidato eleito terá que, obrigatoriamente, lidar com os desafios fiscais - aprovando, por exemplo, uma reforma da Previdência suficientemente ampla. Arminio alerta que há um auto-engano nessas previsões. "As pessoas podem até se sentir pressionadas pelo mercado em algum momento, mas para se promover as reformas e ajustes necessários vai um bom caminho", disse. Será preciso ficar claro como o ajuste será feito e se a trajetória adotada é mesmo factível.

Muitos analistas econômicos estão pedindo uma intervenção mais firme do BC para conter a alta do dólar. Mas, em uma situação como a atual, em que os fundamentos econômicos estão em frangalhos e as incertezas na disputa eleitoral são imensas, há pouco que o Banco Central possa fazer além de agir para assegurar a boa formação de preços. "Não há BC que segure se houver um país com uma política no geral mal desenhada", afirmou o ex-presidente do BC.

Como ocorreu em 2002, a equipe econômica está mantendo encontros com assessores dos principais candidatos para expor a difícil situação da economia. Com níveis de popularidade baixos, porém, a capacidade de liderança do governo Temer é limitada. À medida que a campanha avança e os favoritos ficam mais definidos, os preços dos ativos nos mercados poderão se constituir a principal força disciplinadora sobre os candidatos.

Nenhum comentário: