segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Uma decisão que pode ter inviabilizado o teto de gastos: Editorial | Valor Econômico

Não foi apenas a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), anunciada na semana passada, de propor reajuste de 16,38% no subsídio dos ministros da Corte que causou perplexidade. O que mais estarreceu aqueles que acompanham o dramático quadro das contas públicas brasileiras foi o argumento utilizado na nota que informou a decisão, divulgada na semana passada.

Segundo a nota, que pode ser lida na página do STF na internet, "o reajuste não impacta no valor total da proposta orçamentária (do Supremo) para 2019", pois para cobrir o custo da medida, estimado em R$ 2,8 milhões, "será realizado remanejamento de despesas de custeio do Tribunal".

Certamente, o texto da nota não foi submetido aos ministros da Corte Suprema, pois eles não desconhecem o inciso V do artigo 93 da Constituição. Nele, está escrito que o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, não podendo exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores.

O texto constitucional mostra com clareza que o impacto financeiro do reajuste do subsídio dos ministros do STF não pode ser calculado apenas pelo efeito que terá no Orçamento daquela Corte. É preciso avaliar o impacto nos orçamentos do Judiciário, dos demais Poderes e também dos governos estaduais.

Aprovado o projeto com o reajuste do subsídio pelo Congresso Nacional, os vencimentos de toda a magistratura estarão automaticamente reajustados pelo mesmo percentual. Em seguida, os magistrados estaduais serão beneficiados. O custo total do reajuste para o Judiciário em 2019 não foi divulgado, mas é quase certo que esteja na casa do bilhão. A nota do STF sequer menciona esta despesa e muito menos explica como ela será custeada ou se também será objeto de compensação.

Essa questão é de fundamental importância porque o Judiciário só cumpriu o seu teto de gasto em 2017 com a ajuda do Executivo. O limite de despesa foi "estourado" em R$ 101,7 milhões. A emenda constitucional 95, que instituiu o teto, autorizou o Executivo a compensar eventuais "estouros" dos respectivos limites do Judiciário e do Legislativo, durante três anos.

Assim, a compensação do Executivo acabará em 2019. O recomendável seria que o Judiciário utilizasse o prazo de três anos para adotar medidas de redução de despesas, que permitissem o enquadramento no teto a partir de 2020. O que está acontecendo é justamente o contrário. Os salários dos servidores do Judiciário foram reajustados em várias parcelas, a partir de 2017. Agora, a remuneração dos juízes também aumentará, por causa do reajuste do subsídio de ministro do STF. A pergunta inevitável é se o Judiciário conseguirá cumprir o seu teto de despesas a partir de 2020.

O "efeito cascata" da decisão do STF atingirá também as despesas do Executivo e do Legislativo. Existem milhares de servidores públicos, ativos e inativos, que ganham mais do que o teto salarial, representado pelo subsídio de ministro do STF. Todo mês, os seus salários são reduzidos para que fiquem dentro do teto - esse mecanismo é chamado pela burocracia estatal de "abate teto".

Somente no Executivo são 5.773 funcionários ativos e inativos que estão nessa situação, de acordo com o Ministério do Planejamento. Com o reajuste do subsídio, eles também terão os salários aumentados. O custo para o Executivo será de R$ 243,1 milhões, de acordo com o Planejamento. Ainda não é conhecido o custo para o Legislativo.

Para agravar a situação, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, seguiu os passos do STF e anunciou, na semana passada, a decisão de propor um reajuste de 16,38% na remuneração dos procuradores do Ministério Público da União. O custo da medida foi estimado em R$ 101 milhões em 2019. No ano passado, o Ministério Público da União só cumpriu o seu teto de gastos com a ajuda do Executivo. O "estouro" foi de R$ 126,1 milhões. O MPU deveria, portanto, estar adotando medidas de ajuste e não de ampliação de gastos.

É difícil acreditar que todas essas questões não foram consideradas pelos ministros do STF, quando decidiram reajustar o subsídio. A decisão pode ter inviabilizado o teto de gastos da União.

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