segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Angela Bittencourt: Com "esquerda" na mira, mercado avalia riscos

- Valor Econômico

Volpon alerta para necessária agenda de crescimento

A eleição presidencial ganha complexidade a exatas três semanas do 1º turno de votação. Jair Bolsonaro (PSL) deve ter seu favoritismo confirmado pelas pesquisas de escopo nacional CNT/MDA e Ibope, que serão divulgadas hoje e amanhã, e deixa de ser uma "questão" a ser discutida neste momento. Sua posição está consolidada. Para o 1º turno.

Hospitalizado, mas deixando a UTI ontem, Bolsonaro, apresentado em análises de bancos internacionais a grandes investidores como sendo de "direita" ou "extrema direita", já não se resguarda dos holofotes. Ontem circulava nas redes sociais um vídeo do deputado em sessão de fisioterapia e dando alguns passos. Nesta segunda, as atenções devem se voltar para o seu concorrente imediato. O empate nas intenções de voto de Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT), revelado pela pesquisa Datafolha na sexta, sugere uma disputa a ser travada no campo da esquerda.

As sondagens MDA e Ibope poderão confirmar quem, entre eles, leva vantagem ou se o empate prossegue. Seja qual for o resultado dessas pesquisas quanto a Haddad e Ciro, os investidores e também os especuladores poderão, mais uma vez, comprar ou vender ativos para ganho rápido.

Reposicionamento mais firme especialmente de bancos será postergado para a última semana do mês, que é quando altos executivos do sistema financeiro esperam ocorrer a transferência e a consolidação para Geraldo Alckmin (PSDB) de votos atualmente destinados a João Amoêdo (Novo) e Alvaro Dias (Pode).

Cresce a expectativa de que as transferências finais de voto assegurem ao tucano a vaga para disputar o 2º turno com Jair Bolsonaro. Se Alckmin não decolar, o voto útil contra a esquerda já tem dono: o capitão do PSL.

Os movimentos no câmbio - idioma universal dos mercados - tendem a ser intensificados portanto. E, dada a interação entre os preços fundamentais da economia, a formação das taxas de juros - sobretudo em prazos mais longos - possivelmente indicará um futuro assustador.

"O mercado procura um preço para o incerto", explica Adeodato Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial. "O mercado tem medo do escuro. E o escuro hoje significa entender e avaliar qual é a chance de ocorrer uma ruptura no cenário econômico nacional, no modelo de gestão das contas públicas, na definição de contratos e na funcionalidade do sistema como um todo."

Com propriedade, o executivo descreve, em entrevista à coluna, que ao menos parte da histeria que domina os mercados durante ciclos eleitorais se deve à característica intervencionista presente em discursos populistas de candidatos. "Ainda que apenas sugerido, o intervencionismo é fiador de gestão inconsequente de recursos públicos. E essa percepção realimenta a histeria."

Adeodato faz uma ponderação: "Se as expectativas do mercado são frustradas, não será por que estão erradas? O mercado trabalha com dólar acima de R$ 4,20 e juro de dez anos de 13%, simplesmente o dobro da taxa Selic vigente. Esse cenário é razoável?"

E avalia que tentar perpetuar a realidade de um processo pré-eleitoral é um erro estrutural desmedido. "Por maior que seja a incerteza, não dá para subverter a realidade até porque não há padronização de condições e da capacidade individual dos agentes de absorver riscos. Neste momento, falta racionalidade aos mercados."

Uma leitura do movimento no mercado de câmbio feita pela coluna sugere que há uma distância entre mensagens que podem ser depreendidas da mobilização de investidores e a realidade dos fatos. Uma preocupação pré-eleitoral não necessariamente vai fazer "preço" ao longo de um ano.

Estatísticas oficiais sobre fluxo de capital estrangeiro apontam também que a gestão temerária de um governo pode produzir impacto tão ou mais relevante do que a mera especulação financeira. Repercussões negativas de decisões de governo consideradas duvidosas pelos mercados podem se mostrar persistentes e interferir na taxa de câmbio e na formação de expectativas sobre oferta e demanda de capital que poderia, por exemplo, financiar projetos de investimentos.

Desconsiderando as transações comerciais, o movimento de câmbio no Brasil via conta financeira mostra que a oferta de recursos é sensível ao agravamento de expectativas com cenários políticos, mas também é sensível às perspectivas de crescimento econômico. "Essa é uma das razões pelas quais se espera que o futuro presidente, seja quem for, tenha à mão uma agenda de propostas voltadas ao crescimento", afirma o ex-diretor do Banco Central Tony Volpon, economista-chefe do UBS Brasil.

Volpon, que projeta aumento da Selic nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) de outubro e dezembro, atribui à sua avaliação sobre a Selic não só um caráter operacional ou de sinalização de que o BC segue comprometido com a meta de inflação. "Nosso call de juro tem um apelo institucional. Passado o segundo turno, o governo estará em transição. O compromisso com o regime de metas é parte de um conjunto de escolhas concretas que deverão ser feitas pelo futuro presidente e sua equipe. Estamos há quatro anos com déficit primário. Questões terão de ser encaminhadas, e os ajustes, numa visão consolidada, deverão sinalizar ao mercado que há horizonte e que não é para o dia seguinte."

Ele explica que a perspectiva de horizonte é necessária, inclusive, porque, ao contrário do que se vê na Argentina, os financiadores da dívida do país são sobretudo brasileiros. "Na Argentina são basicamente estrangeiros que podem mudar muito rapidamente de posição a depender das condições globais. Aqui, se nada for feito, nossos financiadores podem se voltar ao exterior e não há impedimento legal para isso."

Apesar dessa característica de financiamento, o levantamento feito pela coluna mostra que cerca de US$ 120 bilhões deixaram o Brasil pela conta financeira em três anos: US$ 16 bilhões em 2015, US$ 51,5 bilhões em 2016 e US$ 52,3 bilhões em 2017. Neste ano, de janeiro a 6 de setembro, segundo dados do BC, a conta financeira está negativa em US$ 13,3 bilhões. Em média mensal, as saídas líquidas despencaram de US$ 4,3 bilhões em 2017 para US$ 1,7 bilhão em 2018.

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