domingo, 9 de setembro de 2018

Merval Pereira: Os vices na berlinda

- O Globo

A eleição presidencial deste ano tem uma característica especial: o protagonismo de alguns candidatos a vice

A eleição presidencial deste ano, que já se diferenciava das anteriores pelo clima de radicalização política, tem uma característica especial: os dois primeiros colocados nas pesquisas estão fora da disputa, um definitivamente, outro temporariamente, dando protagonismo a seus vices. Lula por estar condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, tornando-se inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Jair Bolsonaro por ter sofrido um atentado a faca que quase o matou, não poderá participar da campanha pelo menos até o fim do primeiro turno.

O cargo de vice-presidente que, por uma dessas idiossincrasias de nossa democracia, tornou-se vital numa campanha eleitoral, agora atrai a atenção de todos, a ponto de pela primeira vez seus concorrentes terem sido objeto de sabatinas na GloboNews. Nada menos que oito presidentes foram substituídos por seus vices desde o início da República, por motivos variados, desde a morte do titular até o afastamento por impeachment. Muitos consideram que alguns candidatos atuais a vice são melhores que os titulares. Mas dois deles se destacam justamente pela situação especial de seus líderes na chapa.

Fernando Haddad permanece no limbo, oficialmente candidato a vice de Lula, mas na prática o provável substituto. Nem mesmo Haddad tem certeza, porém, de que será ungido. Na entrevista na GloboNews, negou enfaticamente que aceite ser vice se outro for indicado candidato a presidente em seu lugar. Depois, em conversa fora do ar, comentou irônico: “Tentei sair da política em 2016 e não consegui (referindo-se à derrota no primeiro turno para João Doria na tentativa de reeleição à prefeitura de São Paulo). Quem sabe consigo agora em 2018?”. Essa é uma frase de quem desconfia de que vai ser substituído, e até pode ter sido um recado para quem, no PT, quer tirá-lo. Amanhã o mistério vai ser desvendado, pois é o último prazo para o PT substituir Lula na chapa. Um ingrediente explosivo de qualquer candidatura do PT é a decisão implícita de anistiar o ex-presidente Lula que, mais uma vez afirmou Haddad, está preso injustamente e sem provas de sua culpa.

O general Mourão chama a atenção por declarações polêmicas como a sobre nossa herança cultural de indolência dos índios e malandragem dos negros. Já tentou amenizar o impacto negativo, inclusive registrando-se no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como indígena. Durante a entrevista na GloboNews, mostrou-se mais preparado que o titular Jair Bolsonaro, mas se prestarmos atenção, defendeu teses polêmicas com sua fala mansa e o espírito de quem deseja a pacificação política. Voltou a admitir intervenção militar mesmo fora da Constituição, falou até em autogolpe. Deixou subentendido que vai aproveitar a fama de durão para negociar com o Congresso a aprovação das reformas, que são necessárias, mas a atitude é perigosa do ponto de vista democrático.

Nas questões de segurança pública, a ideia de as Forças Armadas terem que atuar junto com ações sociais é boa. A proposta de coordenar áreas como a de infraestrutura também. Mas revelou que já havia sido convidado por Bolsonaro há três anos, o que dá a impressão de que tudo que fez nesse período teve uma intenção política, até mesmo o discurso pouco antes de ir para a reserva, que lhe valeu uma advertência do comandante do Exército, general Villas Bôas, que ele chama de VB, seu amigo de infância. Na ocasião, disse o general: “Os Poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução”. Questionado sobre o fato de que a Constituição não prevê a intervenção das Forças Armadas sem que sejam convocadas por um dos Poderes, o general chegou a dizer que “chamam até de autogolpe. Autogolpes existem”.

E acrescentou: “(...) Quando você vê que o país está indo para uma anomia, na anarquia generalizada, que não há mais respeito pela autoridade, grupos armados andando pela rua (…). As Forças Armadas têm responsabilidade de garantir que o país se mantenha em funcionamento. Cruzamos os braços e deixamos que o país afunde?”

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Paulo Henrique Amorim condenado por danos morais (Mais detalhes no blog do Merval https:// blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/)

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