quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O ressurgimento do monstro: Editorial | O Estado de S. Paulo

Numa campanha eleitoral marcada por discursos extremados e por falta de propostas concretas e exequíveis para o enfrentamento dos graves problemas nacionais, o que faltava era o surgimento do espectro do monstro tributário chamado CPMF - ou Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - para assombrar ainda mais o eleitor já aturdido pela dificuldade de identificar uma candidatura que exprima um mínimo de sensatez e coerência. O enfrentamento da grave crise fiscal requer, de fato, medidas corajosas que, de imediato, contenham sua virulência e, ao longo do tempo, encaminhem as contas públicas para seu reequilíbrio e para a geração de superávits primários que permitam a redução gradual da dívida da União. Propor soluções fáceis, como a de aumentar a arrecadação por meio da recriação da CPMF, ainda que disfarçada por outro nome ou por outros estranhos propósitos - como o de substituição de todos os demais impostos -, não passa de tentativa de esconder a verdadeira dimensão da crise e a falta de coragem para adotar as medidas drásticas para domá-la.

A mais recente defesa da CPMF foi feita pelo economista Paulo Guedes, assessor econômico do candidato do PSL à Presidência da República, capitão reformado Jair Bolsonaro. Não se trata de um simples integrante da equipe de campanha de Bolsonaro. O candidato já declarou que Guedes é o responsável pela parte econômica de seu programa de governo e que, se eleito, o nomeará ministro da Fazenda.

A um grupo restrito de empresários, Guedes disse que o pacote tributário a ser implementado num eventual governo Bolsonaro inclui a recriação de um tributo com as características da CPMF. Em entrevista ao site BR18, do portal estadao.com, Guedes reconheceu que os estudos de reforma tributária feitos pelos economistas que compõem sua equipe preveem a substituição de todos os impostos federais não compartilhados com Estados e municípios por um tributo único, que incidiria sobre transações financeiras como a CPMF. Depois, Guedes disse que as coisas não eram tão simples assim.

Quaisquer que sejam as justificativas de Paulo Guedes para a criação do imposto, trata-se da volta da CPMF. Essa proposta já foi defendida também pelo economista Mauro Benevides Filho, que responde pela assessoria econômica do candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes. Em carta enviada em maio da prisão de Curitiba, onde cumpre pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva lamentou o fim da CPMF em 2007 - quando estava na Presidência -, considerando-o uma derrota do Brasil.

Vários candidatos à Presidência da República, pessoalmente ou por meio de seus assessores, porém, repudiam a ideia. O candidato do PSDB ao Palácio do Planalto, Geraldo Alckmin, aproveitou a oportunidade para dizer que não recriará a CPMF. O do MDB, ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, igualmente rejeitou a proposta, por se tratar, como disse, de um tributo regressivo - isto é, incide mais sobre as rendas dos que ganham menos - e nocivo para a produtividade do País. A regressividade e o aumento dos custos de produção são, de fato, dois dos graves males econômicos e sociais que essa forma de tributação gera, mas não são os únicos.

O fato de ter alíquota relativamente baixa - o assessor econômico do candidato do PSL falou em 0,40% ou 0,50% sobre o valor da transação tributada - torna o tributo pouco perceptível para a maioria dos contribuintes. Mas seu impacto financeiro sobre a economia é imenso. O “imposto do cheque”, como a CPMF ficou conhecida, incide em cascata, o que o torna diferente de outros tributos sobre valor adicionado, como o ICMS. Por isso, seu efeito sobre os custos é cumulativo, o que afeta o preço final e a competitividade do produto brasileiro. Ele torna ainda pior um sistema tributário já disfuncional e oneroso.

Temendo o impacto negativo do anúncio da proposta sobre sua campanha, o candidato Jair Bolsonaro usou o Twitter para dizer que sua “equipe econômica trabalha para a redução da carga tributária”. Mas não negou a proposta.

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