domingo, 9 de setembro de 2018

Samuel Pessôa: Mais Brasil e menos Brasília

- Folha de S. Paulo

Transferências da União existem para equalizar recursos e garantir serviços

Um bordão que tem sido comum nesta campanha eleitoral é a necessidade de repensar nosso federalismo: "Mais Brasil e menos Brasília". Ninguém define exatamente do que se trata.

Há três temas.

O primeiro é tributário: como se divide entre União, estados e municípios o bolo tributário e como se opera o princípio da solidariedade federativa na transferência de recursos dos entes ricos aos pobres.

O segundo é a forma como o Congresso Nacional tem recentemente ferido a independência dos entes da Federação ao estabelecer obrigações a estes sem que as Assembleias Estaduais ou as Câmaras Municipais se pronunciem.

Tem sido comum corporações do setor público lutarem no Congresso pelo estabelecimento de pisos de remuneração que se aplicam aos servidores estaduais e municipais.

Surpreendentemente, essas e outras interferências do Legislativo nacional sobre os entes da Federação têm sido pouco tratadas pelos candidatos.
Aparentemente o bordão mencionado no título da coluna remete à ideia de que o dinheiro arrecadado vai para Brasília e, em seguida, retorna aos governos locais. No entanto, os casos em que ocorre a ida e o retorno dos recursos estão associados a programas de apoio aos entes mais pobres da Federação.

Em alguns casos o dinheiro é transferido automaticamente, como nos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM).

Em outros, a União transfere recursos aos entes mais pobres em áreas específicas, como a complementação da União ao Fundeb.

No nível estadual, as transferências da União conseguem reduzir em muito as diferenças de recursos entre os estados.

Por exemplo, a receita per capita do Maranhão é de 55% a receita per capita de São Paulo enquanto que o PIB per capita é de 30% o de São Paulo.

A receita per capita de impostos, já considerando arrecadação própria e transferências, varia de um máximo de R$ 7.978, no Distrito Federal, até a mínima de R$ 2.418 no Maranhão. São Paulo arrecada R$ 4.378 per capita, menos do que 11 estados.

O terceiro tema é que a maior parte da concentração de receita na União ocorrida nas últimas décadas foi para financiar programas de transferências ligados ao estado de bem-estar social, que são nacionais por natureza: benefícios previdenciários, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, seguro-desemprego, abono salarial e Bolsa Família, entre outros.

Este fato não tem sido notado pelas pessoas que enunciam o bordão "mais Brasil e menos Brasília".

O bordão talvez se refira à enorme profusão de estados e, principalmente, municípios que foram criados em seguida à redemocratização, e que não têm a menor condição de sobrevivência autônoma.

Por exemplo, a receita per capita do estado de Roraima foi, em 2017, de R$ 7.740, sendo R$ 2.703 de receita própria e R$ 5.037 de transferência. Para municípios, os números são ainda mais chocantes.

Ou seja, faz sentido um pacto federativo que estabeleça que a receita própria do ente da Federação tenha de ser no mínimo capaz de custear a administração direta dos Poderes.

As transferências existem para equalizar recursos e garantir acesso da população a serviços públicos de qualidade, independentemente da localização.

Finalmente, diversos entes da Federação, exatamente porque recebem volume expressivo de transferências, se abstêm de arrecadar localmente.

Seria importante que os candidatos explicitassem o que entendem por "mais Brasil e menos Brasília".
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Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

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