quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Vinicius Torres Freire: Eleição na miséria, ideias doidas

- Folha de S. Paulo

Como em 1989, país vai à urna em desgraça econômica, tema que mal aparece

Nesta eleição que tende a se transformar em plebiscito de ânimos extremados, economia não é lá um assunto no debate "pop". A conversa nacional poderia ficar menos envenenada caso se discutissem a vida do povo comum e interesses em disputa na eleição, alguns dos sentidos da palavra "economia", neste caso.

A atividade econômica ou o mal-estar das pessoas não parecem explícitos nos debates mais frequentes e polares, um tanto como em 1989, uma eleição irmã na desgraça desta de 2018.

Como em 1989, o governo de turno (Sarney) era irrelevante e pestilento. Temer foi sarneyzado. O problema econômico então aparecia na conversa da eleição travestido de "marajás" (privilégio da casta estatal) e "corrupção", no caso da demagogia de maior sucesso. Lembra algo?

Mas há contrastes interessantes. Primeiro, quanto aos programas em provável disputa. Em 1989, Fernando Collor (PRN) oferecia uma salada liberaloide; Lula da Silva (PT), uma feijoada esquerdista gordurosa. E agora?

Jair Bolsonaro (PSL) até ontem era um estatista nacionalista autoritário. Faz poucos meses, terceirizou seu programa econômico para um ultraliberal que nem sequer compreende.

No caso da provável disputa polar, enfrentaria Fernando Haddad, dito "petista tucano", que herdou um programa PT "vintage", modelo 2001 cheio de mofo. Mas Haddad tende a procurar alianças até no centro liberal, tentando fazer acordos análogos ao de Lula 2002 (ou além disso).

Nos dois casos, trata-se de conversões recentes ou de convergências extravagantes, que levantam sobrancelhas de quem se ocupa de assuntos econômicos. Não há clareza sobre diretrizes ou sobre os meios políticos para implementá-las.

Segundo, há contrastes ruidosos entre 1989 e 2018 quanto à atividade econômica.

Na redemocratização, jamais ocorrera eleição como esta, com tamanha queda de renda (PIB) per capita em um quadriênio. Até 2018, o PIB per capita terá diminuído cerca de 7,5% ante 2014 (terceira maior baixa de qualquer quadriênio da história, eleitoral ou não, desde 1905; perde apenas daquele encerrados em 1984 e 2017 e empata com o de 1916, na prática).

Mas os dados de 1989 são maquiados pelo estelionato do crescimento inviável do Plano Cruzado. A vida era ainda pior naqueles anos. A renda média em 1989 era cerca de 40% menor. A desigualdade de rendimentos era maior. Havia muito menos programas de proteção social. Enfim, os tempos eram de hiperinflação, desgraça ainda maior para os mais pobres.

Economia foi um assunto nas eleições de 2002 a 2010 —pelo menos o tema do bem-estar da população era forte. Foi um dos motivos a abater o PSDB em 2002. Foi a vitrine iluminada do PT em 2006 e 2010, embora mais apagada em 2014, eleição já mais envenenada por imaterialidades ideológicas biliosas e outras baixezas.

Terceiro, quanto a sustos dos donos do dinheiro grosso, 2018 se destaca, mas nem tanto. Tome-se uma medida "pop" de instabilidade financeira, o dólar. A volatilidade deste 2018 é bem maior que a das eleições desde 1998, embora ainda perca de longe para 2002 (eleição de Lula 1). Mas é preciso dar um desconto: desde 2006 deixamos de ter problemas de contas e dívida externa, que pesaram muito no tumulto de 2002.

E daí? Refrescar a memória pode servir para nos lembrar de que estamos à beira de uma guerra política, mas não estamos tratando de muito assunto essencial. Por exemplo, de como sair desta crise rara e da vida material do povo.

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