quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Vinicius Torres Freire: Guilhotina e dinheiro no Museu

- Folha de S. Paulo

Incêndio provoca guerra nas redes sociais a respeito dos culpados por gastos

A desgraça do Museu Nacional tornou-se motivo de guerra nas redes insociáveis, bidu. Temas centrais da discussão eram o gasto público e os responsáveis pela falta de dinheiro que teria levado parte da memória nacional à ruína.

A pindaíba terminal do governo tornou-se um debate "pop", tão disseminado quanto as ilusões sobre as despesas públicas e onde se pode arrumar dinheiro.

Na confusão do tiroteio, apareciam também bandeiras pedindo a cabeça de autoridades.

Um meme frequente mostrava um desenho do Congresso em chamas com a legenda "Sonho"; logo acima, a imagem do Museu queimando, com a legenda "Realidade". Noutros, "políticos" ou ministros do Supremo eram guilhotinados.

O incêndio motivou 1,6 milhão de publicações no Twitter entre a noite de domingo da tragédia e o começo da tarde de segunda-feira, segundo levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV (FGV Dapp). Foi um frenesi de postagem similar ao de momentos como o assassinato de Marielle Franco, o julgamento de Lula no STF e a greve dos caminhoneiros.

Além de vexames e exorbitâncias dos anos recentes, o Supremo está com o filme queimado por causa dos penduricalhos e do reajuste dos seus salários. "O custo de um ministro do Supremo por ano pagaria a manutenção do Museu", lia-se. Mas há revolta contra "tudo o que está aí".

"Vermelhos" criticavam o teto de gastos, cortes de verbas para a cultura, congelamento de salários de servidores. Os "Azuis" atribuíam o incêndio a governos de esquerda, a corrupções, ao uso de dinheiro para "artistas ricos" da lei Rouanet e para exposições "LGBT" como a "Queermuseu".

Os que querem decapitar juízes e queimar o Congresso, além da maioria menos radical que critica os gastos de Judiciário e Legislativo, precisariam levar em conta o peso desses gastos no Orçamento.

Vários são francamente exorbitantes, como as aposentadorias de parlamentares e magistrados. Mas o Congresso leva 0,9% da despesa federal total (R$ 12,5 bilhões por ano, incluindo pessoal, encargos sociais e investimento).

Tribunais superiores e Justiça Federal levam 3,5% (sendo 43% disso gasto pela Justiça do Trabalho).

Há ineficiência, desperdício e fraude no governo, mesmo em áreas essenciais, hospital e escola. Qualquer dinheiro mais bem gasto faz diferença no país onde se morre de febre amarela e de outros horrores estúpidos, onde a escola pública fracassa e onde queima o Museu Nacional.

Mas, tanto para quem quer mais ou menos gasto ou imposto, é preciso entender as dimensões do problema.

O Orçamento federal para este ano é de R$ 1,35 trilhão. TRILHÃO. Essa conta não inclui despesa com juros. Nos últimos 12 meses, apenas a Previdência levou R$ 589 bilhões, cerca de R$ 30 bilhões a mais do que no ano passado (apenas INSS, não entra a Previdência dos servidores).

No momento, o gasto federal é maior do que no último ano de Dilma 1, antes da volta do "neoliberalismo". Mesmo assim, há déficit de uns R$ 100 bilhões (déficit primário, não leva em conta a despesa com juros).

Antes do "neoliberalismo", governos de esquerda deram subsídios de dezenas de bilhões de reais por ano a empresas grandes. Deram Refis, perdão de imposto para empresas, como estes que Michel Temer deu ou que o Congresso acabou de dar nesta semana, para ruralistas, que pode custar R$ 16 bilhões.

Antes de cortar gastos ou cabeças, enfim, é preciso fazer umas contas.

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