quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Vinicius Torres Freire: O Brasil que não vai tão mal

- Folha de S. Paulo

Apesar de incerteza e crescimento lerdo da renda, crédito se recupera

Quem olha uma plantação queimada e se anima com alguns brotos verdes ou sobras de pés de milho pode passar por amalucado. No entanto, nem mesmo na economia brasileira tudo é cinza ou brasa dormida.

Apesar da eleição desvairada, não houve até agora debandada de capital para o exterior, ao contrário. Há também o caso do crédito nos bancos, por exemplo.

Primeiro, considere-se o que despiorou, o que resiste, o que melhora —por enquanto sem as adversativas, sem os "mas" inevitáveis.

1) A concessão de empréstimos, o dinheiro novo, cresce em relação ao ano passado;

2) A média das taxas de juros voltou a níveis de 2014 ou de 2012;

3) A inadimplência continua a cair, como se nota desde meados de 2016;

4) A despesa mensal das famílias com suas dívidas é a menor desde o início de 2011.

Sim, a situação geral do crédito ainda é deprimida. Os empréstimos novos ainda estão em nível quase 20% inferiores aos de 2012 a 2014. O estoque de crédito, o total de dinheiro emprestado, ainda cai, embora o grosso disso se deva à retração do BNDES.

As taxas de juros, na média, pararam de cair desde maio. A combinação de inadimplência controlada com spreads menores talvez pudesse ter feito com que o custo do dinheiro fosse menor. Ainda assim, o spread está no nível registrado no final do ano de 2011, o primeiro de Dilma 1.

O peso da dívida na renda das famílias baixou bem das alturas em que esteve praticamente de 2012 a 2016, mas ainda está no nível de saturação que aparentemente precedeu o desânimo que levaria a economia a crescer menos, a partir de 2012 ou 2013.

Qual o balanço? Não parece haver um problema especial nos bancos e uma situação particular de crédito travado. Ou melhor, não parece haver problema especial novo, além das extravagâncias do crédito no Brasil, restrito e cronicamente caro.

O crescimento lerdo dos salários e da massa de rendimentos, a incerteza política e alta dos juros básicos no mercado pode explicar de modo razoável a recuperação lenta e gradual dos empréstimos bancários.

Neste ano, o rendimento do trabalho passou a crescer em ritmo mais lento em relação a 2017.

O tumulto político, o corte radical de investimento público em obras e o fracasso do governo nas concessões de infraestrutura devem ter tirado ânimo e motivo de investir de muita empresa.

Sim, o BNDES encolheu, talvez em parte por política de governo, embora a esta altura pareça mais claro que as empresas simplesmente se retraíram, porque estão na retranca ou porque perderam a oportunidade de apenas surfar em dinheiro de graça. Quando houve ânimo e dinheiro mais barato, as empresas foram ao mercado de capitais.

Por fim, o óbvio, a alta dos juros de prazo mais longo na praça acabou com a viabilidade de muito negócio, ainda mais com tanta névoa adiante. O governo paga juros de 6%, mais a inflação. Por que se aventurar em negócio real?

Mas há indícios de que a perspectiva de arrumação das contas do governo pode ao menos destravar a recuperação econômica que se previa para este 2018 —é o que parece no crédito ou na disposição de investidores estrangeiros. Não seria, a rigor, crescimento duradouro, mas a saída do fundo do poço em que estamos, o que facilitaria a imensa tarefa de reformar de fato a economia e acalmaria os ânimos políticos alucinados do Brasil, que apenas pioram desde 2013.

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