sábado, 6 de outubro de 2018

A tarefa inadiável: Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro e Haddad não mostraram ideias claras para lidar com o déficit nas contas do Tesouro

Muito pouco se sabe sobre o que pretendem fazer os favoritos na disputa presidencial, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), a fim de evitar que as contas públicas rumem ao estrangulamento.

Seus programas oficiais são de baixo nível técnico, prestando-se mais à propaganda e ao proselitismo. Além do mais, teses colocadas no papel têm sido relativizadas, e declarações de auxiliares, desautorizadas pelos candidatos.

Não se pode desculpar tal obscuridade como conveniência de campanha —a crise orçamentária é, de longe, o desafio mais imediato e decisivo do próximo governo.

Em termos simples, as receitas do Tesouro Nacional há quatro anos não bastam para cobrir as despesas, mesmo quando se desconsidera o pagamento de juros aos credores. Com o que se chama de déficit primário, é preciso fazer mais dívida diariamente para as ações essenciais e as obras públicas.

Há uma estratégia gradualista em curso para enfrentar o problema. Por meio de uma emenda constitucional, a alta dos gastos federais está limitada à variação inflacionária; assim, o esperado crescimento da economia e da arrecadação de impostos reequilibrará aos poucos as finanças públicas. O rombo, porém, deve permanecer até 2021.

A viabilidade desse programa de ajuste, entretanto, depende de uma reforma urgente para conter a expansão contínua dos desembolsos da Previdência Social. Do contrário, as demais áreas da administração —saúde, educação, infraestrutura, segurança— serão sacrificadas ano a ano.

Calcula-se que, no ritmo corrente, compromissos obrigatórios como aposentadorias, salários e benefícios sociais representarão 98% da despesa total ao final do mandato do próximo presidente.

O programa de Bolsonaro afirma, corretamente, que o país está em “rota fiscal explosiva”. No entanto fala em obter um superávit já em 2019, sem aumento da carga tributária, o que soa fantasioso.

Propõe a adoção do “Orçamento base zero”, pelo qual todas as previsões de gastos serão reavaliadas. Não fica claro se tal propósito abrange apenas os programas não obrigatórios, o que teria efeito modesto, ou se a intenção é promover uma ampla —e dificílima— mudança constitucional.

Ideias um tanto megalômanas, como uma privatização completa e imediata, ou uma espécie de nova CPMF para substituir outros tributos, acabaram desautorizadas pelo candidato do PSL.

De mais crível, o documento prevê redução de benefícios tributários, um quase consenso entre os presidenciáveis. Não se especifica, contudo, o que seria cortado.

Já no programa de Haddad nem ao menos há indicação de que a despesa vá ser contida. Medidas imediatas, afirma-se, incluiriam a derrubada do teto de gastos e um plano econômico emergencial com aumento do investimento público.

O texto menciona de passagem regras para o controle orçamentário, mas só se detalha que as obras a cargo do governo e das estatais não estariam sujeitas a restrições.

Dá-se a entender que o crescimento da economia geraria os recursos necessários, como se a retomada fosse questão de vontade do governante. Ademais, pode-se esperar uma crise geral de confiança em caso de sinais de novo impulso perdulário do Executivo federal.

Na oposição, o PT tem rejeitado de modo estridente mudanças na Previdência, e o programa refuta “postulados das reformas neoliberais”. O tom panfletário contradiz a experiência das próprias administrações do partido.

Haddad mostra mais moderação em entrevistas e debates, mas, tratando-se de uma candidatura amparada apenas no carisma do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é incerta sua autonomia em relação às pressões das alas petistas.

A missão de consertar as contas do Tesouro exigirá, mais que capacidade técnica, engenho político. Trata-se de enfrentar interesses instalados na máquina estatal —legítimos, embora nem sempre razoáveis. Salários exagerados, aposentadorias precoces, subsídios e benefícios tributários contam com defensores poderosos.

A busca por um Estado mais justo e funcional demanda persistência por anos ou décadas. Entretanto, há providências emergenciais a serem tomadas nos primeiros dias de mandato, nenhuma delas indolor ou desprovida de riscos.

Aos eleitores devem ser apresentados desde já planos realistas e compreensíveis. Fazê-lo só depois da vitória nas urnas tornará ainda mais difícil a tarefa de governar.

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