segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Angela Bittencourt: #elenão elimina zona de conforto na boca da urna

- Valor Econômico

Ibope, FSB/BTG Pactual e RealTime/ Record saem nesta 2ª

As mulheres tiraram os brasileiros da zona de conforto. As manifestações por #elenão contra o candidato a presidente da República Jair Bolsonaro (PSL) reuniram multidões em grandes e pequenas cidades do país. O movimento manteve-se apartidário, com alguns deslizes, mas sem incidentes. A mobilização do último sábado atualizou 2013 e 2016. De expressão incomparável, em 2013 cerca de 1 milhão de brasileiros foram às ruas para demonstrar insatisfação com um pouco de tudo: governantes, corrupção, sistema político, educação, saúde e uso do dinheiro público em obras da Copa do Mundo. Semearam aquele movimento, protestos de estudantes contra tarifas de transporte público. Em 2016, o desgoverno de Dilma Rousseff foi alvo dos protestos em escala menor.

O #elenão, anos depois, espalhou vibração e nesse clima os brasileiros chegarão às urnas daqui a cinco dias. No sábado, ocorreram também manifestações por #elesim. No domingo, carreatas pró-Bolsonaro agitaram várias capitais.

A eleição de 2018 é singular pelos atos que ocorreram no fim de semana, por outros tantos pulverizados em poucas semanas, e por marcar o encerramento formal do 2º mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, afastada definitivamente do cargo em agosto de 2016 por crime de responsabilidade. Não tivesse o Brasil caído no atoleiro onde está, o próximo titular no Palácio do Planalto receberia, em 1º de janeiro de 2019, a faixa presidencial de Dilma. Seria ela a anfitriã no Parlatório, mas Michel Temer passará a faixa.

Temer, ex-vice de Dilma, não foi eleito presidente. Tornou-se presidente para cumprir o prazo regulamentar da chapa que integrava e saiu vitoriosa das urnas nas eleições de 2014. Mas, em menos de dois anos foi desfalcada, para assombro de uns e alívio de outros.

Esta eleição de 2018 é singular também por demonstrar que o processo de seleção natural prevalece em qualquer campo de batalha. Embora os partidos políticos tenham registrado ao menos uma dezena de candidatos à presidência da República, cinco se sobressaíram aos demais logo na partida da campanha: Jair Bolsonaro (PSL), Luiz Inácio Lula da Silva/Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede).

Qual protagonista de um longa metragem, nas últimas duas semanas Bolsonaro quase morreu, vítima de um atentado à faca durante um comício onde só ele parecia estar de amarelo, mas após três semanas internado obteve dividendos nas pesquisas de intenção de voto; ganhou um bocado. Lula, sob vigília da Polícia Federal, em Curitiba, sumiu depois de ilustrar o melhor cenário traçado pelo PT que torce por sua libertação e também avançou nas pesquisas. Haddad ganhou o posto de candidato do PT e, embora se mostre como representante do ex-presidente - ou até por isso - arrancou nas pesquisas. Marina derreteu. Alckmin subiu pouco ou deslizou. Ciro patinou, mas acabou se tornando uma real opção de voto útil.

Por 24 horas, contudo, o Brasil perdeu 40% do seu elenco de presidenciáveis. Ciro foi hospitalizado. Seria uma baixa considerável se adoecesse por um grave motivo ou por longo período. Por sorte, dois dos cinco candidatos ao Planalto deixaram o campo temporariamente e sem substitutos no banco de reserva.

Ciro ingressou na categoria de um hospitalizado Bolsonaro, mas para um tratamento emergencial. Logo foi liberado e fez campanha nas redes sociais. Seguiu o exemplo do maior oponente que, até a pesquisa CNT/MDA publicada na madrugada de domingo, só ele poderia derrotar no 2º turno.

A pesquisa CNT/MDA mostrou Jair Bolsonaro (PSL) com 28,2% dos votos - mesma porcentagem da leitura anterior do mesmo instituto -, Haddad (PT) cresceu de 17,6% para 25,2% e, considerando a margem de erro de 2,2 pontos chegou a um empate técnico com Bolsonaro. Ciro. que tinha 10,8%, caiu a 9,4%. Na simulação do 2º turno, Haddad sai vencedor com 42,7% dos votos e Bolsonaro obtém 37,2%. A repercussão desse placar nos mercados é difícil prever.

Ontem, três profissionais afirmaram à Coluna que a maioria das instituições e investidores já esperavam um candidato da esquerda na disputa do 2º turno com Bolsonaro - Haddad ou Ciro. O petista desperta maior simpatia, embora o PT nem tanto, diz um dos interlocutores. Outro entrevistado concorda, mas alerta que a "simpatia" do mercado por Haddad será proporcionalmente menor quanto maior for a submissão de Haddad ao ex-presidente Lula, caso o ex-prefeito ganhe a eleição.

Até o fechamento da Coluna no domingo à noite, estava prevista a divulgação, nesta segunda-feira, de três pesquisas de opinião: Ibope, FSB/BTG Pactual e Real Time/ TV Record. Amanhã, terça, tem mais um Datafolha.

As sondagens sobre intenção de voto realizadas por telefone também são uma singularidade desta eleição. E ainda inspiram inquietação sobretudo entre profissionais do mercado financeiro. Outra singularidade desse pleito, os candidatos cercaram-se de economistas conhecidos, de elevada reputação, experientes no setor privado e/ou no setor público. E quase todos foram para a vitrine. Esse movimento não tem registro em eleições passadas.

A presença dos economistas na linha de frente das campanhas é interpretada como forte sinal de desconhecimento mais profundo de questões econômicas pelos principais postulantes ao Planalto. Cenário admissível, não fosse a grave situação em que se encontra a economia brasileira que já não sabe qual é a cara do crescimento e esqueceu o conforto que rende um mercado de trabalho ativo.

Entre os economistas mais comprometidos com o processo eleitoral estão André Lara Resende, Eduardo Gianetti, Guilherme Mello, Gustavo Franco, José Márcio Camargo, Mauro Benevides, Nelson Marconi, Pérsio Arida, Ricardo Paes de Barros.

Nas últimas semanas, à exceção de Paulo Guedes, assessor de Jair Bolsonaro, todos participaram de debates, seminários e entrevistas. Guedes foi tão reservado que, há poucos dias, quando falou publicamente sobre perspectivas para política fiscal, acabou mal interpretado e quase liquida a carreira do chefe. Guedes teria sugerido a recriação da CPMF para reforçar o caixa. Foi repreendido por Bolsonaro. A suposta sugestão foi negada.

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