quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Cristiano Romero: Bolsonaro decidiu cedo ser o anti-Lula

- Valor Econômico

Resultado do 1º turno quebra tradições, mas é fácil de entender

Brasileiros não gostam de extremos no espectro político, tanto que Luiz Inácio Lula da Silva precisou criar a versão "Lulinha Paz e Amor", em 2002, para apresentar-se menos ou nada radical. Deu certo. O petista chegou ao poder depois de três tentativas (1989, 1994 e 1998). A folgada liderança de Jair Bolsonaro no primeiro turno quebra algumas tradições, mas não é tão difícil de entender. A eleição castigou o PSDB de forma implacável. Mesmo que João Doria ganhe o governo de São Paulo no segundo turno, o PSDB que todos conhecemos não existirá mais. Bolsonaro tomou o lugar dos tucanos na polarização com o lulismo. E o PT sobrevive porque o lulismo segue forte depois de 29 anos de contendas presidenciais. Mesmo com Lula encarcerado, elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados e está no segundo turno da principal eleição.

Mais de uma razão concorre para explicar a tragédia tucana. Bolsonaro encarna desde o início de sua campanha nas redes sociais, há quatro anos, o político anti-Lula, anti-lulismo e anti-PT. O ruinoso governo de Dilma Rousseff (de 2011 a maio de 2016) jogou a economia brasileira na mais longa recessão da história e isso, aliado aos escândalos de corrupção, forjou um forte sentimento anti-petista nas regiões mais desenvolvidas.

Entre 2014 e 2016, o PIB recuou 6,4% e a renda per capita, quase 9%. A inflação (medida pelo IPCA) bateu em 10,67% em 2015 e o número de desempregado chegou a 12,3 milhões em dezembro de 2016 e a inéditos 14 milhões em abril de 2017 - os cínicos culpam Michel Temer, uma vez que ele assumiu a Presidência em maio de 2016, mas isso é esperteza sem lastro: o desalento foi contratado nos quase 65 meses da gestão Dilma Rousseff.

Depois dos três anos de recessão, o PIB cresceu apenas 1% em 2017 e, segundo a mediana das expectativas do mercado captadas pelo Banco Central, deve avançar 1,34% neste ano. O Brasil vive, portanto, um quinquênio desolador, talvez, único em sua história. E a Grande Recessão foi provocada pelo próprio governo e não por fatores externos.

Esperteza teve, então, Bolsonaro ao perceber o tamanho da encrenca em que Dilma jogou o país, Lula e o PT. Ele se autodenominou, bem cedo, o candidato contra Lula e o PT. Neste ambiente econômico, agravado pelo aumento da pobreza, da desigualdade e da violência, tornou-se desnecessária a apresentação de alternativas para o país. Bastou fazer um discurso "contra tudo o que está aí", com assertividade e impiedosa agressividade. É por isso que os principais alvos de Bolsonaro foram sempre o PT e Lula.

O fato é que o PSDB, principal rival do lulismo desde 1994, não soube fazer oposição ao PT. Nos oito anos bem-sucedidos de Lula (2003-2010), os tucanos promoveram um antagonismo "light", talvez, porque o presidente petista tenha abraçado, na primeira hora, a política econômica de FHC. Mesmo durante a maior crise política enfrentada por Lula - o mensalão, em 2005 e 2006 -, o PSDB não foi protagonista na oposição.

É verdade que o então presidente petista resistiu aos escândalos do mensalão graças ao sucesso da economia - em 2006, a inflação (3,14%) foi a segunda menor da história e o PIB cresceu 4%, um ritmo razoável. O problema é que, quando a coisa degringolou nas mãos de Dilma, os tucanos permaneceram apáticos. Não aprenderam com o PT a máxima de que "oposição existe para fazer oposição".

Quem frequentava o Salão Verde da Câmara dos Deputados em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma, já sentia cheiro de impeachment no ar. Com a economia já em recessão um ano antes por causa da incrível série de equívocos cometidos por sua equipe econômica, Dilma usou o poder da Presidência da República para impedir que Lula se candidatasse em seu lugar, tirando-lhe o direito de buscar a reeleição. Antes, em 2012, segundo ano do primeiro mandato de Dilma, empresários e até banqueiros, além de setores do PT e partidos aliados, entoavam o "Volta, Lula".

Quem tem poder não abre mão de poder. Dilma fazia um mau governo, tinha consciência disso, mas bateu o pé. Não haveria lealdade - pelo fato de o ex-presidente tê-la escolhido para sucedê-lo e de ter usado sua elevada popularidade para elegê-la - que a fizesse abrir mão da candidatura em 2014.

Um fato não passou despercebido para auxiliares e políticos mais próximos de Lula: no fim de 2012, a Polícia Federal descobriu um suposto esquema de tráfico de influência na representação da Presidência da República em São Paulo. A chefe do escritório, Rosemary Noronha, muito próxima de Lula, foi pivô do escândalo e, depois, demitida por Dilma. Não satisfeita, a presidente abriu comissão de sindicância no Palácio do Planalto para escabichar o caso, ignorando o fato de a PF já ter dominado as investigações. Mais adiante, Lula teria demitido dois integrantes da comissão indicados por Gilberto Carvalho, então ministro da Secretaria-Geral da Presidência e devoto inarredável de Lula. Os dois foram acusados de prejudicar os trabalhos da sindicância, que não deu em nada mas ajudou Dilma a manter Lula longe da pretensão de voltar ao poder em 2014. O criador descobriu naquele momento que a criatura já não lhe era mais fiel. "House of Cards"? Esqueça. Brasília é muito mais divertida.

Em janeiro de 2015, Dilma foi aconselhada a impedir a eleição de Eduardo Cunha, então no PMDB, para a presidência da Câmara. Não havia, na ocasião, um transeunte sequer naquela Casa, deputado ou não, que duvidasse da vitória de Cunha. Mas Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil de Dilma, garantiu à presidente que daria, sim, para barrar o deputado carioca - no fim, quem o derrotou foi a Operação Lava-Jato, mas, antes, ele ganhou a disputa pelo comando da Câmara de forma acachapante. Dilma é o tipo de político que escolhe adversários e inimigos. Não tinha como dar certo e, por isso, sua queda era tão certa quanto os seis meses de seca e seis de chuva que castigam a capital federal todo ano.

Os tucanos ajudaram a derrubar a ex-presidente, via impeachment, mas não foram decisivos. Aderiram na primeira hora ao governo de Michel Temer, que o PT, ao seu estilo, conseguiu demonizar com grande eficácia. Quando o governo Temer acabou, em maio de 2017, graças à gravação feita pelo empresário Joesley Batista, revelando diálogo embaraçoso com o presidente, o PSDB tornou-se um aliado envergonhado do governo, mas ainda assim aliado. Os eleitores não perdoaram e, por isso, Alckmin terminou o pleito com metade dos votos com que iniciou a campanha.

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