terça-feira, 23 de outubro de 2018

Fernando Exman: Prefeito Bolsonaro

- Valor Econômico

Slogan "Mais Brasil, Menos Brasília" tende a ganhar peso

Jair Bolsonaro, confirmado presidente da República, seguirá cortando intermediários. É a sua forma de fazer política, asseguram seus colaboradores. Ele adotou esse estilo muito antes de dada a largada oficial da campanha, percorrendo o país todo até ser alvo de um atentado. Inovou na comunicação, desprezando marqueteiros e falando diretamente ao eleitor por meio de redes sociais e aplicativos de mensagens. A partir de janeiro, se de fato subir a rampa do Palácio, sua estratégia será aproximar o Planalto de prefeitos de todo o Brasil.

Auxiliares de Bolsonaro contam que o deputado tem a redução da burocracia como uma de suas metas, chegando a colocar como objetivo ideal até mesmo o fim dos cartórios no país. No âmbito do governo federal, isso não se traduziria na extinção de políticas atualmente sob responsabilidade do Ministério das Cidades, mas na redução de amarras para a sua execução.

Bolsonaro não seria o primeiro chefe de governo a empunhar a bandeira municipalista. Todos que ocuparam recentemente o Palácio do Planalto já fizeram promessas mil para prefeitos, vereadores e entidades do setor. Mais dia ou menos dia, porém, encararam críticas - às vezes transformadas em vaias - nas marchas realizadas anualmente em Brasília por gestores municipais de todo o Brasil. Mas, agora, a expectativa entre eles é maior.

Representantes dos prefeitos têm se reunido com as equipes dos presidenciáveis desde o primeiro semestre. Bolsonaro participou de um desses encontros e seus auxiliares realizaram outros quatro. Do lado da campanha de Fernando Haddad, uma reunião foi feita com integrantes de sua equipe liderados pelo ex-ministro Ricardo Berzoini, experiente articulador político do PT e responsável pelos contatos entre o Palácio do Planalto e demais entes federativos no governo Dilma Rousseff.

O que Bolsonaro e seus colaboradores apresentaram animou a frente municipalista, que já no início do ano que vem terá a oportunidade de agradecer ou demonstrar insatisfação com as primeiras medidas do próximo governo. A marcha nacional de prefeitos de 2019 ocorrerá em abril, no período em que o sucessor de Michel Temer estará cumprindo os primeiros cem dias de mandato.

Histórica, a lista de pedidos dos prefeitos também é extensa. E o pleito presidencial jogou nova luz sobre as demandas.

Os prefeitos se queixam, por exemplo, do fato de pouco mais de 20% do bolo arrecadatório ser direcionado para os cofres municipais. Eles também querem passar a receber os recursos de emendas parlamentares ao Orçamento diretamente, sem a necessidade de celebrar convênios com instituições federais, poder rever com maior frequência a base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e obter compensações por desonerações tributárias, por exemplo.

Uma outra preocupação dos prefeitos é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), cuja vigência está prevista para até 2020. O tema deve ser alvo de discussões entre o Executivo e o Congresso, mas os prefeitos já se manifestaram a favor da criação de um mecanismo permanente de financiamento da educação básica pública e do aumento da complementação financeira da União, por exemplo, para garantir o pagamento do piso salarial do magistério.

Os prefeitos apresentaram aos presidenciáveis proposta para criação de um sistema de prevenção e combate a desastres naturais, acrescentando que tais eventos atingiram aproximadamente 53 milhões de pessoas e geraram prejuízos de R$ 244 bilhões nos últimos cinco anos. E já cobraram a conclusão de obras paralisadas, muitas delas creches.

Uma pauta candente e de curtíssimo prazo será colocada pelos prefeitos ao próximo presidente já em novembro, tão logo o resultado da eleição for anunciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e comecem os trabalhos das equipes de transição. Há preocupações com os municípios localizados na faixa de fronteira, tema que receberá especial atenção de um eventual governo Bolsonaro devido à prioridade que os assuntos de segurança nacional e combate ao crime organizado devem receber.

Alguns pontos já constam do programa de governo de Bolsonaro protocolado na Justiça Eleitoral, incluindo o reconhecimento de que nas últimas décadas o governo federal concentrou a arrecadação de tributos, criou uma burocracia e gerou ineficiências para controlar os entes federados. "Queremos uma federação de verdade. Os recursos devem estar próximos das pessoas: serão liberados automaticamente e sem intermediários para os prefeitos e governadores. As obras e serviços públicos serão mais baratos e com maior controle social", comprometeu-se o candidato no documento. "Chega de carimbos, autorizações e burocracias. A complexidade burocrática alimenta a corrupção."

Outros temas, embora não explicitados no programa já divulgado, são objeto de discussões setoriais conduzidas pelos formuladores da campanha - como o financiamento da saúde, o foco na educação básica e a liberação de linhas de crédito para fomentar a geração de pequenos negócios locais diretamente pelas prefeituras.

Integrantes da campanha de Bolsonaro estudam meios de ofertar ferramentas de gestão de projetos e de custos para as prefeituras. Se a proposta for adiante, a iniciativa poderá levar ao atendimento de outra demanda dos municípios: os prefeitos querem que o governo federal deixe de licitar obras, liberando a contratação direta por parte das prefeituras. "Todos os órgãos de fiscalização continuariam a trabalhar. O preço cairia e os empregos seriam gerados local e regionalmente", argumenta um porta-voz do movimento municipalista.

Se conseguir transformar essas ideias em mais do que um discurso, Bolsonaro pode acabar com vários guichês existentes na capital federal. Hoje, o principal slogan da campanha do deputado é "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". Com o resultado das urnas apurado, outras palavras de ordem devem ganhar espaço, podendo até mesmo construir a marca de um cada vez mais provável governo Jair Bolsonaro: "Mais Brasil, Menos Brasília".

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