sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Monica de Bolle: O que é um populista?

- Época

Com a arma da mensagem direta e pessoal, simples e confeccionada para provocar uma reação emocional — de raiva, de indignação, de revolta —, o populista não precisa de plano de governo detalhado.

O que é um populista? Se há uma região no mundo em que ondas populistas deixaram marcas profundas na política e na economia, essa região é a América Latina. Por conseguinte, deveríamos ser capazes de enxergar políticos com essas tendências à distância e deles ficarmos, no mínimo, desconfiados. Afinal, sabemos como acabam os arroubos populistas: com economias desarranjadas pelas necessidades do líder “do povo” de atender aos anseios da população, ao mesmo tempo que alimenta sua própria necessidade de ser visto como um messias, um grande salvador, o pai dos pobres, o defensor dos bons costumes, o caçador de marajás, o perseguidor de bandidos ou qualquer outro rótulo de ocasião. Como bem documentaram os economistas Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards em seu magistral The macroeconomics of populism in Latin America, publicado em 1991, não há qualquer caso de populismo que tenha tido final feliz na região.

Por que, então, temos tido tanta dificuldade em enxergar na candidatura de Bolsonaro traços inequivocamente populistas, que deveriam nos deixar cabreiros, mas em vez disso causam euforia, sobretudo entre aqueles que tão bem conhecem o legado? Deixo aqui uma tese: o populismo na América Latina e no Brasil sempre foi caracterizado pelo discurso redistributivo. De Getulio Vargas a João Goulart, o foco nas desigualdades e nos excluídos da vida econômica e política do país norteou os discursos e as políticas adotadas. Em termos de comparação histórica com o momento atual, Jânio Quadros, o presidente-cometa, é parâmetro interessante.

Vinculado aos setores mais conservadores do país, como a extinta UDN, e candidato pelo nanico PTN, suas falas eram carregadas de um espírito moralizador e sua campanha calcada no combate à corrupção (“Varre, varre, vassourinha /Varre, varre a bandalheira/O povo já está cansado/De viver dessa maneira”). Seu governo foi de 31 de janeiro de 1961 até 25 de agosto de... 1961. Não estou dizendo que um futuro governo Bolsonaro está fadado a durar meses, evidentemente. O que estou dizendo é que nos esquecemos de Jânio quando vemos as propostas simplórias de Bolsonaro para defender suas três bandeiras: a “moralização” do país, o combate à corrupção, o combate à violência.

Populistas defendem o “povo” ignorado pelo establishment e pelos partidos políticos tradicionais. A mensagem é que há algo persistentemente ignorado pelo “sistema” que afeta o “povo”: seja sua cultura, religião, seu lugar na sociedade, suas circunstâncias econômicas. O populista se apresenta como o único capaz de enxergar como o “povo” a quem se dirige é especial e único, como seus anseios não estão sendo atendidos. A comunicação é direta, o apelo é pessoal.

Portanto, esquivar-se de debates é fundamental, já que debates, por definição, são um modo de comunicação indireto com o “povo”. Na era das redes, o apelo direto se dá por meio do Facebook, do Twitter, do Instagram. Planos atrapalham a mensagem, dão margem às interpretações e às discussões que inevitavelmente desvirtuariam o foco do eleitor. Não espanta, portanto, que o plano de governo apresentado por Bolsonaro seja uma colcha de retalhos repleta de chavões e clichês em todas as áreas: da segurança pública à educação, da saúde à reforma da Previdência, da reforma do Estado à retomada do crescimento econômico, e por aí vai.

Desse modo, o populista tem o mandato para fazer tudo e não fazer nada ao mesmo tempo. Como bem disse Carlos Alberto Sardenberg em recente coluna para O Globo, o eleitor de Bolsonaro quer que ele faça a reforma da Previdência e que ele não faça a reforma da Previdência. Sendo o populista que é, Bolsonaro atenderá aos apelos contraditórios de sua base, deixando brevemente parte do país em estado de perplexidade.

Falta a palavra final sobre o entorno de Bolsonaro. Há militares, há sua família, há os novos congressistas conservadores, há os evangélicos, há a turma de Paulo Guedes. Todos esses grupos estarão brigando por influência e poder. Bolsonaro, se eleito, teria de negociar as divergências, que não seriam poucas, e os anseios por autoridade e comando em determinadas áreas. Vamos supor que ele não seja o populista que eu acredito que ele seja. Digam-me: em que circunstâncias será ele capaz, realmente, de transformar o país a contento de seus eleitores?

Varre, varre, vassourinha.

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Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics

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