quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Primeiro turno antecipou a polarização do segundo: Editorial | Valor Econômico

Em um país com estrutura partidária fraca, e muitas legendas, a bússola eleitoral ficou sem norte, mesmo em uma disputa polarizada. O passado sempre vale alguma coisa, mas nesta eleição, não muito. Há condições fundamentais que mudaram o jogo. O financiamento das campanhas alijou as empresas, o fundo público beneficiou quase que exclusivamente as velhas cúpulas partidárias. Os principais partidos foram desmoralizados pelas investigações da Operação Lava-Jato, que continuam. O grande líder popular do país, Luiz Inácio Lula da Silva, está preso em Curitiba. Seus tradicionais opositores do PSDB foram chamuscados pelos mesmos escândalos de corrupção que abateram os petistas. E está à frente das pesquisas, como outsider, um deputado há 27 anos, egresso e cortesão da do Exército brasileiro.

O vácuo eleitoral foi preenchido pelo capitão reformado Jair Bolsonaro, que pretende encerrar a disputa no primeiro turno. Covardemente esfaqueado, teve a vantagem involuntária e preciosa de não precisar se submeter ao escrutínio nos debates públicos. É saudado pelos correligionários como mito, acepção dúbia: a palavra significa tanto um herói como alguém que passa um imagem falsa, sem correspondência na realidade.

Seu principal adversário, Lula, está preso, e só pode falar pela boca de seu candidato substituto, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad. Enquanto o Partido dos Trabalhadores evita uma autocrítica e procura esconder seu passado, Bolsonaro não tem currículo apresentável nem seu passado é marcante, exceto pelos desvios da quebra de disciplina militar.

O trabalho das equipes de marketing dos candidatos teve de se enredar pelas frestas de favoritos que, por um motivo ou outro não podem falar, como Lula e Bolsonaro. Os alvos se tornaram difusos, como prova a campanha de Geraldo Alckmin, do PSDB, o dono do maior tempo de TV, que praticamente não se moveu desde o início da campanha eleitoral.

A aposta de um embate tradicional no molde das últimas eleições contra o PT levou o tucano a tentar uma agenda parcialmente propositiva, reminiscente da longa administração de Alckmin no Estado mais rico da nação. Não funcionou. Depois, a mira se voltou contra Bolsonaro, numa competição para deslocar a extrema direita como principal adversária do petismo. Também não funcionou. Por fim, atacou Haddad e Bolsonaro, apostando que poderia ser o fiel da balança entre os dois polos. Não deu certo. No meio tempo, houve prisões de próceres do PSDB nos Estados e processos do MP contra o candidato.

Se os candidatos de centro não conseguiram furar a blindagem de Bolsonaro, casos de Alckmin, João Amoêdo, Henrique Meirelles e Álvaro Dias, quem procurou derrotar o PT pela esquerda não teve melhor sorte. A ambiguidade foi igualmente fatal. Ciro Gomes (PDT), depois de rifado e isolado pelo PT, hesitou em atacar Lula e seu legado, sem tornar nítidas suas diferenças. A renegociação de dívidas dos negativados pelo SPC foi um diferencial perdido em sua campanha, a mais bem sucedida entre os demais, a julgar pelas pesquisas. Marina Silva, da Rede, perdeu-se mais uma vez entre os extremos e, sem recursos e tempo de TV, foi jogada na vala dos candidatos sem qualquer chance de vitória e amarga seu pior resultado desde 2010.

O PT foi vítima da impressão bastante difundida de que Bolsonaro se desintegraria ao longo do tempo. Subestimou a grande rejeição à obra de destruição econômica de Dilma Rousseff e à decomposição moral da legenda após os escândalos de corrupção. A aposta na aura de Lula manteve o PT na mídia e as atenções voltadas para Curitiba. Escolhido Haddad, a realidade se impôs. Uma boa parte da nação, por diversas razões, prefere um salto no escuro a ver um petista subir a rampa do Planalto novamente.

Assim, a apenas três dias do primeiro turno, o PT resolveu tirar a mira de Alckmin e atacar Bolsonaro, cuja única bandeira é o antipetismo. O resultado é que, após horas de discursos, propagandas e milhões de reais, Bolsonaro saiu com poucas escoriações das campanhas rivais. Seus adeptos não tiveram escrúpulos morais no uso das redes sociais e o candidato do PSL não foi gravemente atingido pelo festival de bobagens ditas pelo seu staff. Vai para o segundo turno com boas chances de vitória, em uma eleição polarizada em que, paradoxalmente, os marqueteiros erraram o alvo.

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