segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Salto no escuro: Editorial | O Estado de S. Paulo

Se há um ano alguém dissesse que Jair Bolsonaro tinha alguma chance de se eleger presidente da República, provavelmente seria ridicularizado. Até pouco tempo atrás, o ex-capitão do Exército era apenas um candidato folclórico, desses que de tempos em tempos aparecem para causar constrangimentos nas campanhas – papel cumprido mais recentemente pelo palhaço Tiririca, aquele que se elegeu dizendo que “pior do que está não fica”. Pois a “tiriricarização” da política atingiu seu ápice, com a escolha de um presidente da República que muitos de seus próprios eleitores consideram completamente despreparado para chefiar o governo e o Estado.

A explicação mais óbvia para tal fenômeno é que os eleitores escolheram Bolsonaro porque este se apresentou como a antítese raivosa do lulopetismo. A ânsia de repudiar tudo o que o PT e Lula da Silva representam superou qualquer outra consideração de caráter político. A julgar pelas manifestações públicas de eleitores de Bolsonaro nas redes sociais e nas ruas, sejam os de primeira hora, sejam aqueles que aderiram na reta final, era preciso dar um enfático basta às patranhas lulopetistas, como já havia acontecido nas eleições municipais de 2016, e impedir que o PT continuasse com seu processo de destruição do País.

Infelizmente para o Brasil, quem se apresentou para essa missão com sucesso não foi a oposição tradicional, organizada e responsável, e sim um obscuro parlamentar do baixo clero, portador de um discurso raivoso e vazio, que apelou aos sentimentos primários de uma parte significativa da sociedade exausta de tanto lulopetismo – e nisso foi muito bem-sucedido.

Bolsonaro tornou-se célebre por exaltar a ditadura militar e a tortura, por declarações desairosas sobre mulheres, negros e homossexuais e por menosprezar as instituições democráticas. Tudo feito à luz do dia, com a mais cândida sinceridade – o que, para seu eleitor, é sua principal, e até agora única, qualidade, em meio à degradação da classe política em geral.

Eleito, Jair Bolsonaro terá de reconhecer que há uma grande diferença entre fazer campanha eleitoral e administrar um país – especialmente em meio a uma das mais graves crises da história. O problema é que ninguém sabe quais são as ideias do presidente eleito, admitindo-se que ele as tem.

Durante toda a campanha, Bolsonaro esquivou-se de perguntas sobre propostas específicas para a área econômica, atribuindo a missão de respondê-las ao economista Paulo Guedes. Mesmo este, no entanto, raras vezes esclareceu o que um governo Bolsonaro pretendia fazer para debelar a crise, citando propostas genéricas sobre privatizações e mudanças tributárias. E a certa altura da campanha, diante de uma série de declarações desastradas de seus assessores – inclusive de Guedes, que mencionou a hipótese de ressuscitar a famigerada CPMF –, Bolsonaro mandou que todos guardassem prudente silêncio.

Ou seja, o eleitor escolheu Bolsonaro sem ter a mais remota ideia do que ele fará quando estiver na cadeira presidencial. Não é um bom augúrio, justamente no momento em que o País mais precisa de clareza, competência e liderança.

Resta esperar que as forças políticas tradicionais esqueçam suas divergências e se organizem para reduzir os possíveis danos dessa aventura que só está começando.

Isso significa, entre outras coisas, que a oposição ao governo Bolsonaro não pode agir como se estivesse em uma guerra, em que, por definição, o oponente deve ser destruído. Uma oposição leal, como se espera que esta seja, é aquela que não sabota o País, isto é, que não deixa de aprovar as medidas necessárias para ajudar o Brasil a superar sua crise, mesmo que estas tenham sido propostas pelos governistas.

O PT, como principal partido de oposição, terá de repensar sua atuação se quiser sobreviver à travessia do deserto. Um bom começo seria passar a atuar tendo como objetivo primordial ajudar o País, e não, como de hábito, atender apenas aos interesses do partido. Para os padrões petistas, isso seria uma revolução copernicana – e ajudaria a desarmar os espíritos, o que talvez seja a tarefa mais importante da classe política a partir de hoje.

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