quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Trump agora insinua uma ofensiva contra o Brasil: Editorial | Valor Econômico

O presidente Donald Trump, de repente, começou a fazer críticas à política comercial brasileira. Vindo do nada, em um discurso após ter sua truculência recompensada com um Nafta recauchutado e rebatizado de Acordo EUA, México, Canadá (USMCA), Trump criticou a "senhora das tarifas", a Índia e, em seguida, o Brasil, que segundo ele, "trata os Estados Unidos injustamente". Não se sabe o que o presidente americano pretende com isso, ao descer no ranking dos parceiros comerciais com os quais acena com relações belicosas.

Trump, em pleno período eleitoral, arrancou concessões do México e Canadá - e cedeu em pontos importantes, como a manutenção de um organismo tripartite para a arbitragem de contenciosos comerciais, que já existia no Nafta. O Canadá bateu o pé e conseguiu o que queria e Trump detesta, a saber a subordinação dos EUA a um centro de decisões que não controlam. O Canadá tinha seus trunfos nas mangas. Para poder aprovar no Congresso o acordo com o México, Trump tinha de levar junto o Canadá, porque seu mandado de negociação era sobre o Nafta. Na última hora, os negociadores americanos piscaram.

Pode-se intuir alguma coisa do que os EUA pretendem do Brasil se o acordo com seus mais próximos sócios comerciais serve de parâmetro. Pelas gabolices de Trump, é um grande acordo, que substitui "o pior jamais feito pelo país", o do Nafta. O presidente americano quer vantagens imediatas para setores determinados, isto é, não há uma visão geral de grande alcance, mas negociações no varejo, em retalhos.

Os EUA conseguiram, ao sepultar o Nafta, as vantagens que se propuseram obter, especialmente em relação ao setor automobilístico. Os carros produzidos na América do Norte terão de ter três quartos de seu conteúdo produzidos localmente, e não mais 62,5% - o que dificulta a vida nos EUA de alguns grandes fabricantes europeus e japoneses. O acordo prevê, o que beneficia diretamente as montadoras americanas, um cronograma gradual até 2023 que obrigará que 40% do conteúdo dos veículos seja fabricado por trabalhadores que recebam US$ 16 por hora - o triplo do salário médio mexicano. Mas deixou livre de tarifas agora e no futuro o ingresso de 2,6 milhão de veículos vindos dos parceiros, algo como 1 milhão a mais do que exportam hoje aos EUA (NY Times, ontem).

Os EUA conseguiram abrir um pouco o fechado mercado canadense de lácteos, e reduzir incentivos que davam vantagem doméstica e internacional aos produtos canadenses do setor. Obteve maior tempo para manutenção de patentes no setor farmacêutico. A ideia inicial sobre a duração do acordo foi abandonada pelos EUA - sua renovação a cada 5 anos -, e o prazo de vigência inicial foi estipulado em 16 anos.

Os EUA se moveram ultimamente em direção ao Japão e União Europeia - sem retirar sanções ao aço e alumínio - com acenos de acordos comerciais. Esses movimentos podem indicar, como dizem boa parte dos analistas, que a intenção de Trump e seus guerreiros protecionistas, é concentrar esforços na batalha contra a China, neste caso com objetivos amplos e irrealizáveis, como o de impedir que o país chegue a ser um gigante tecnológico mundial.

Índia e Brasil podem ser as próximas vítimas das investidas protecionistas de Trump, já que a Casa Branca se tornou mais permeável a lobbies nesta administração, algum prejuízo para ambos possa ocorrer. A Índia é o nono país com quem os americanos mais comerciam (US$ 74,3 bilhões) e o Brasil o 11º (US$ 66,7 bilhões, dados de 2017). Não têm acordos em andamento com os EUA nem terão tão cedo.

Quanto a prejuízos comerciais explícitos, o Brasil, nos dez anos que se completam em 2018, teve déficits comerciais com o país em oito anos. Em 2017, conseguiu superávit de US$ 2 bilhões e em 2018, até agosto, de US$ 200 milhões. O USTR se queixa de barreiras não tarifárias, enquanto que, no conjunto da obra, o Brasil é sabidamente uma das nações mais fechadas do mundo ao comércio e suas tarifas efetivas, as maiores do mundo emergente.

A prioridade de Trump em relação a uma ofensiva comercial contra o Brasil é simétrica à importância que a política externa americana tem dedicado ao país - quase nenhuma. Isso não significa que Trump, com seus rompantes, venha a retaliar sob qualquer pretexto as exportações brasileiras. Para quem não joga o livre comércio, termos que extirpou do novo acordo com seus vizinhos, faz sentido.

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