quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Ascânio Seleme: Nomear, delegar, demitir

- O Globo

Segundo especialistas em gestão, delegar é uma das mais importantes qualidades do líder

O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, não precisou mais do que 40 minutos para convencer o presidente eleito Jair Bolsonaro de que Joaquim Levy era um bom nome para presidir o BNDES.
O fato de Levy ter trabalhado nos governos de Lula e Dilma, e de Sérgio Cabral, no Rio, não impediu que seu nome fosse aceito. Ao ser questionado se a indicação não implicava um recuo do discurso de campanha, Bolsonaro disse que confia em Guedes e que Levy não responde a nenhuma acusação ou denúncia. Neste episódio, o presidente exerceu na plenitude sua capacidade de delegar.

Bolsonaro escolheu Guedes e entregou a ele a responsabilidade de montar toda a estrutura abaixo dele e ao seu redor. Além de Levy no BNDES, o futuro ministro vai indicar o novo presidente do Banco Central e preencher inúmeros outros cargos com pessoas que exercerão o controle da economia e sobre as quais estará amparado o futuro do país. Você pode achar que se trata de muita delegação de autoridade. É, pode ser. Mas também é demonstração de confiança no subordinado e de reconhecimento de suas próprias limitações.

Segundo especialistas em gestão, esta é uma das mais importantes qualidades do líder. A professora Ylana Miller, do Ibmec, disse numa entrevista ao GLOBO, de agosto de 2014, que delegação é “atitude de gestores que incentivam a participação ativa da equipe sem receio de suas contribuições serem melhores do que as dele”. Bolsonaro nunca escondeu isso, sobretudo quando o assunto é economia. Apelidou Paulo Guedes de Posto Ipiranga e disse em diversas entrevistas que não entende do assunto.

O presidente eleito também entregou ao futuro ministro da Justiça plenos poderes para nomear livremente os principais postos da sua área, como o de diretor-geral da Polícia Federal e de seus superintendentes estaduais. Da mesma maneira, Sérgio Moro terá autonomia para decidir os rumos da política de segurança pública. O juiz da Lava-Jato já disse que não aceitaria o cargo se não tivesse essa liberdade.

Mas é verdade que Moro entendeu para onde o vento sopra e já defende posições que sempre pertenceram ao seu novo chefe. Com o respeito que o presidente eleito merece, o ministro indicado deu todos os sinais de que sabe qual programa venceu a eleição e qual será o seu papel na aplicação desse programa ou na sua delimitação. Sérgio Moro poderá ser um bom ministro se conseguir realmente colocar limites em questões cruciais como o porte e o uso de armas de fogo.

Outro ministro que terá poderes excepcionais será o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Além de acumular as funções administrativas da sua pasta, que significa rever e aprovar todos os documentos que chegam ao Palácio requerendo a assinatura do presidente, Onyx comandará a política do governo. Será o articulador das ações do Executivo no Congresso e o negociador oficial com parlamentares, partidos ou bancadas.

De seus entendimentos daqui até o fim de janeiro vão sair os novos presidentes da Câmara e do Senado. Numa entrevista na terça-feira, ele chamou o ex-presidente do PSL Gustavo Bebianno de ministro. Embora depois tenha se justificado, dizendo que quem nomeia obviamente é Bolsonaro, o gesto de Onyx foi deliberado. Ele não apenas chamou de ministro como indicou a pasta que Bebianno iria ocupar, a da Secretaria-Geral da Presidência.

Nem Fernando Henrique, que era menos centralizador do que Lula e muito menos do que Dilma, deu tanta carta branca aos seus ministros. Pedro Malan, que dirigiu a economia nos seus dois mandatos, tinha liberdade para agir, mas a decisão final de questão mais importante era do presidente. Tampouco o superpoderoso Clóvis Carvalho, ministro da Casa Civil, teve total autonomia. Embora o reputasse como o segundo em comando, FH não hesitou quando precisou deslocá-lo do Planalto.

Delegar é uma qualidade que Bolsonaro já mostrou ter. A dosagem dessa delegação pode parecer exagerada à primeira vista. Talvez seja mesmo e deva-se ao fato de nunca um presidente eleito ter chegado a este momento com tantas pontes queimadas. O seu despreparo também contribui para o processo de distribuição de responsabilidades. Mas o fato inarredável é que o presidente é Bolsonaro. E cabe a ele nomear e demitir ministros. Inclusive os mais poderosos.

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