quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Democratas ganham a Câmara e Trump resiste no Senado: Editorial | Valor Econômico

O presidente Donald Trump passará a enfrentar agora uma oposição com poder, depois que as urnas deram ao Partido Democrata a liderança na Câmara dos Deputados na terça-feira - 222 ante 196 republicanos. As eleições da metade do mandato dão boas indicações das inclinações do eleitorado, mas não são prognóstico confiável sobre o sucesso ou fracasso da eleição presidencial de 2020, quando Trump tentará se reeleger. Trump saudou o resultado como uma "boa vitória", porque seu partido ampliou a vantagem no Senado, onde estavam em jogo 35 cadeiras. Os republicanos ficam agora com 51 delas, e os democratas, com 46.

O domínio democrata na Câmara vai restringir as iniciativas do presidente, cujo partido dominava as duas Casas. Um segundo pacote de cortes de impostos, com os quais Trump vinha flertando, de olho em sua continuidade na Casa Branca, torna-se agora inviável. A campanha agressiva contra o Obamacare no pleito de meio de mandato em 2010 deu maioria aos republicanos. O tema voltou agora, como vingança: 40% dos eleitores, em sondagem no dia da votação, apontaram o seguro de saúde como o tema que consideram mais relevante e sufragaram os democratas. Novas medidas para soterrar de vez o Obamacare, planejadas pelos republicanos, estão condenadas ao fracasso.

A vitória democrata vai acirrar a rivalidade entre os dois partidos e deve provocar paralisia legislativa diante de qualquer tema controverso. Com maioria no Senado, os republicanos manterão o poder de indicar membros para a Suprema Corte. As duas nomeações feitas por Trump deslocaram a balança da Justiça a favor do conservadorismo. E mais uma vaga será aberta em breve.

O equilíbrio entre os poderes foi saudado pelos mercados, que subiram ontem após um outubro muito ruim. Os investidores apontaram que novos pacotes fiscais, que acelerem a inflação e elevem ainda mais o déficit público, não terão a mínima chance de sobreviver no Congresso.

Por outro lado, os poderes de Trump na política externa seguem intactos e é nesse campo que ele tem espalhado medo e ódio ao redor do mundo, com a guerra comercial à China, a volta das sanções ao Irã, o afastamento do Acordo de Paris, protecionismo tarifário e mais uma longa lista de medidas que abalam a ordem global moldada pelos EUA. Não há muita chance de que ele vá mudar de direção até o fim do mandato.

Os democratas, porém, podem tentar encurtar esse mandato, ao acordarem o Comitê de Inteligência da Câmara de seu sono republicano e fazê-lo realizar investigações sérias sobre as declarações de imposto de renda do presidente, nunca apresentadas, conflitos de interesses nos negócios de seu império empresarial etc. Os democratas podem tentar o impeachment quando o conselheiro especial Robert Mueller apresentar seu relatório da investigação sobre o conluio da campanha de Trump com os russos. O presidente agiu rápido ante o perigo e ontem demitiu o ministro da Justiça, Jeff Sessions. Pode fazer o mesmo com o vice-ministro, Rod Rosenstein, superior de Mueller, ou com o próprio Mueller.

Bill Clinton e Barack Obama perderam eleições de metade do mandato e foram reeleitos. Trump ainda conserva forte poder de angariar votos, cada vez mais concentrados no eleitorado branco, masculino de cidades do interior. O voto democrata veio com intensidade dos subúrbios das grandes cidades e do eleitorado feminino (52% do total), que deu mais votos ao partido (59%) que aos republicanos (39%), segundo a Bloomberg.

Trump disse que essas eleições seriam um plebiscito sobre seu governo e apoiou como pôde 76 candidatos republicanos. Não foi mal: 44 deles ganharam, 32 perderam. Os republicanos conquistaram, por pouco, o governo da Flórida, Estado crucial na disputa presidencial, e ainda dominam Texas, Indiana, Missouri, Tennessee, Ohio, Iowa e vários outros. Os democratas recuperaram votos perdidos no "cinturão da ferrugem" - Wisconsin, Michigan e Pennsylvania - que elegeram Trump.

Quando Trump tentar a reeleição a economia estará longe de seu auge e terão desvanecidos os efeitos de seu pacote de corte de impostos - ou, talvez, a caminho da recessão. O esforço dos democratas nas investigações sobre Trump, que tem 40% de aprovação, podem derrotá-lo. O ocaso da economia será posto na conta dos democratas por Trump. O país continua radicalmente dividido, não há favoritos e nem sequer despontou ainda o candidato que vai tentar desalojar Trump do poder.

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