terça-feira, 6 de novembro de 2018

Fernando Exman: Transmutação entre candidato e presidente

- Valor Econômico

Nomeação de Moro deu novo fôlego ao discurso da oposição

Aos poucos, o brasileiro começa a ser apresentado à nova persona pública de Jair Bolsonaro. Ainda em construção, é um misto de homem que mantém hábitos simples com quem vai tentando assumir a postura de estadista que a condição de presidente da República eleito exige. Seu primeiro teste para valer, contudo, será esta semana. Ele desembarca em Brasília para participar de reuniões em todos os cantos da Praça dos Três Poderes, onde multiplicam-se os curiosos para ver como o capitão reformado do Exército se comportará diante das dificuldades que certamente enfrentará nos próximos anos.

Parlamentar do chamado baixo clero durante quase três décadas, Bolsonaro será o foco das atenções. Mas, desta vez, seus interlocutores esperam mais do que falas de efeito ou das tradicionais declarações feitas em muitos decibéis. Querem ouvir de forma clara como atuará o presidente, como pretende se relacionar com as outras instituições e quais as pautas convergentes que poderão avançar logo nos primeiros meses do próximo governo.

Bolsonaro ainda tem tempo suficiente para concluir esse processo de transmutação, deixando no passado a imagem do deputado habituado a envolver-se em polêmicas. Até a posse, terá de dar espaço à figura de uma autoridade que justifique o ar solene do mestre de cerimônias, cada vez que for anunciada a presença do "excelentíssimo senhor presidente da República" no recinto. Isso não quer dizer ser formal ao extremo, como o presidente Michel Temer. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva soube conciliar essas características e hoje, mesmo preso, representa a maior figura da oposição a ser enfrentada por Bolsonaro. Lula se alimentará dos erros do futuro governo e tentará neutralizar os seus feitos, entre os quais o mais recente foi a nomeação do juiz Sergio Moro para o Superministério da Justiça e Segurança Pública.

Essa mudança comportamental não é apenas bem-vinda, neste momento em que setores da sociedade tentam superar as rupturas provocadas pela disputa eleitoral. É um movimento essencial para que Bolsonaro consiga personificar de forma apropriada a instituição que passará a representar a partir de primeiro de janeiro, fator que pode lhe garantir maior respeitabilidade entre os cidadãos - inclusive dos que não votaram nele - e obediência de seus subordinados.

Será um desafio diuturno. Durante a transição, a batalha do presidente eleito é contra vazamentos de informações que possam minar sua popularidade. Aumento de imposto para ajudar o país a fechar as contas? Nem pensar, assegura. Reforma da Previdência? Se o já impopular presidente Michel Temer quiser ajudar, dizem seus aliados, melhor. E se ficar para o ano que vem virá de forma fatiada, para evitar maiores resistências.

Em 2019, porém, os desafios aumentarão e Bolsonaro não poderá deixar espaços vazios que possam ser ocupados. Empossado, passará a ser chamado de "senhor" por generais para quem até então batia continência. Todos eles nomes reconhecidos e respeitados na caserna.

Seu vice, general Hamilton Mourão, por exemplo, chefiou um contingente enorme quando esteve à frente do Comando Militar do Sul. É visto como um oficial pelo qual soldados das mais variadas patentes sentem admiração e estariam dispostos a cerrar fileiras em qualquer batalha. Generais também serão nomeados para outras funções no primeiro escalão do Executivo. Muitos temem uma suposta falta de compromisso de Bolsonaro com a democracia, mas precisam ponderar: ele também é interessado direto em ver, no decorrer de todo o seu governo, a hierarquia, as instituições e o estado democrático de direito respeitados.

Entre os civis, o desafio não será menor. Bolsonaro parece estar decidido a seguir o modelo ministerial dos presidentes militares, que concentraram poder em poucas pastas. Tal dinâmica alimentará egos, receita garantida para colher impasses que precisarão da mediação do presidente da República.

Mesmo na hipótese de outros ministros terem perfis mais discretos, não é impossível de se imaginar que os atritos vistos agora no período de transição entre Onyx Lorenzoni e Paulo Guedes, respectivamente os futuros ministros da Casa Civil e da Economia, avançarão mandato adentro. Seria apenas mais uma edição da tradicional disputa entre as alas política e econômica de um governo, se desta vez eles não tivessem à frente de superministérios.

Outro polo de poder será o Ministério da Justiça e Segurança Pública de Moro, que até a véspera do início da campanha eleitoral apresentava um desempenho nas pesquisas de intenção de voto capaz de tirar o sono dos bolsonaristas. Moro era capaz de catalizar o sentimento antipetista e antisistema que catapultou a candidatura de Bolsonaro, mas não deixou a magistratura à época. Agora, posiciona-se para alçar voo próprio.

Não à toa, Bolsonaro fez questão de logo delimitar seu campo de atuação: disse que concordou em dar liberdade de atuação ao novo auxiliar, mas logo destacou que Moro assume a missão como um saldado que está indo para a guerra sem medo de morrer.

É difícil de acreditar que, embora tenha tomado uma decisão arrojada de abandonar anos de magistratura e um caso emblemático como a Lava-Jato, Moro esteja mesmo disposto a colocar sua carreira profissional sob risco de vida. Seus planos parecem de longo prazo, mas, ironicamente, o PT e o ex-presidente Lula são os que mais têm a ganhar com os eventuais atritos que possam surgir entre o presidente da República e seu ministro da Justiça e Segurança Pública.

O próximo palanque de Lula já está armado. O comício ocorrerá durante o depoimento que dará à juíza substituta da 13a Vara da Justiça Federal do Paraná, Gabriela Hardt, no processo do sítio em Atibaia. A recente dobradinha Bolsonaro-Moro garantirá ainda mais repercussão às declarações do petista. Já a reação do presidente eleito aos prováveis ataques de Lula demonstrará em que estágio essa mudança de comportamento se encontra.

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