quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Míriam Leitão: Tirar o gesso do Orçamento

- O Globo

Não será fácil aprovar o projeto que acaba com os gastos obrigatórios, mas a medida vai na direção correta, de mais flexibilidade do Orçamento

A proposta de desvincular as receitas do destino estabelecido pela Constituição tem sido um sonho de inúmeros economistas. Na última campanha, alguns candidatos chegaram a falar nisso, mas quem defendeu mais abertamente foi o grupo do candidato Geraldo Alckmin. A equipe econômica que vai assumir em janeiro está preparando uma Proposta de Emenda Constitucional que tem chamado de PEC da Liberdade Orçamentária. É necessária, mas é muito difícil fazer.

O Orçamento está cada vez mais engessado. Todo ano sobe um pouco mais o percentual de despesas que o administrador público não pode mexer porque vai para um gasto específico. Era 84% em 2013, foi 91% no ano passado.

Mas se for desvincular o dinheiro da saúde, por exemplo, o governo Bolsonaro terá um problema de cara com essa bancada, que acaba de mostrar força indicando o ministro. Mesmo os que concordarem em tese, ficarão contra quando for a sua área de interesse. Em algum momento, teria que ser enfrentado o problema de dar mais liberdade ao governo para decidir sobre as despesas. Isso só dá certo, no entanto, se for aprovada a reforma da Previdência, que tem consumido cada vez mais recursos. Com o teto de gastos incidindo sobre as outros gastos, o que tem crescido é a despesa previdenciária. Cresce vegetativamente e também por decisões judiciais.

Um exemplo aconteceu recentemente. Todo aposentado por invalidez tem direito a 25% para pagar um cuidador. Como esse tipo de aposentadoria é de baixo valor, esse extra fica em geral em torno de R$ 300. Aumenta o custo, mas é possível cobrir. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em agosto estender o benefício para todos os aposentados. Ao generalizar, e em percentual, significa que pega até quem recebe, hoje, R$ 30 mil, e, no caso, essa pessoa receberá mais de R$ 7 mil de extra. O custo disso, segundo o cálculo do especialista Paulo Tafner, é de R$ 8 bilhões no primeiro ano, mas vai crescer porque o total de aposentados tende a aumentar. O STJ está, nesse caso, criando um benefício que não existia, ou seja, legislando. E confirmando a desigualdade no país, já que é um percentual, e não um valor fixo. Quem recebe mais terá um valor maior do que quem recebe o piso. Se desvincular os gastos e não mudar a Previdência, inclusive retirando da Constituição, como foi a proposta dos economistas Armínio e Tafner, as despesas com pensões e aposentadorias vão crescer e engolir o Orçamento inteiro.

Não há trabalho fácil para a equipe que está chegando. Alguns problemas vêm sendo adiados ou contornados, e um deles é o do engessamento do Orçamento. A DRU, Desvinculação das Receitas da União, foi um atalho feito no governo Fernando Henrique e que se eternizou.

Segundo o “Valor”, que deu a notícia da PEC da liberdade orçamentária, a futura equipe sabe que isso será polêmico, mas considera que debates inflamados sempre acontecem quando o assunto é despesa pública e que, se houver mais flexibilidade, “a classe política recuperaria poderes perdidos ao longo dos anos”. Na teoria, parece claro, mas difícil é conseguir 308 votos em duas votações na Câmara, sem falar no Senado e no risco de voltar à Câmara. Portanto, por mais lógica que pareça uma proposta, a negociação política para isso tem que ser árdua.

Alguns da equipe que tomará posse com o presidente eleito Jair Bolsonaro já tiveram experiência no setor público, mas vários outros, inclusive o futuro ministro Paulo Guedes, jamais estiveram no governo e podem estar subestimando as barreiras que encontrarão para aprovar uma proposta assim.

Os alertas contra o engessamento do Orçamento vêm sendo feitos desde a época do ex-ministro Maílson da Nóbrega no governo José Sarney, há 30 anos. Se a futura equipe apresentar essa proposta será um ato corajoso e na direção certa. Há uma dificuldade e um risco. A dificuldade será convencer os parlamentares a votar contra todas as pressões setoriais que receberão. O risco é, se conseguir aprovar, o futuro governo aproveitar para estrangular as áreas pelas quais não demonstra interesse como, para citar um caso, os órgãos de controle da área ambiental. Só vale ter a liberdade orçamentária se for para tornar mais racional e eficiente o gasto público e não para apagar agendas que o governo não valoriza.

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