segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Nos 100 anos do fim da 1ª Guerra, líderes veem em nacionalismo ameaça à paz

Discurso de Macron mira Trump e governos de ultradireita na Polônia e na Hungria

Lucas Neves | Folha de S. Paulo

PARIS - O presidente da França, Emmanuel Macron, usou neste domingo (11) a cerimônia do centenário do Armistício da Primeira Guerra (1914-18) para uma defesa enfática da cooperação internacional e do multilateralismo.

O discurso foi, sobretudo, endereçado ao líder americano Donald Trump e a países europeus como Hungria e Polônia, em que o populismo nacionalista ganha força.

No ato, realizado sob o Arco do Triunfo, onde fica o Monumento ao Soldado Desconhecido em Paris, Macron disse que "cem anos depois, a cicatriz [da guerra] ainda é visível na face do mundo" e exortou governantes a não confundir patriotismo e nacionalismo —o segundo seria a traição do primeiro.

"Ao dizer 'nossos interesses primeiro, os outros pouco importam', apaga-se aquilo que uma nação tem de mais precioso [...], aquilo que a leva a ser grande: seus valores morais", afirmou, diante de uma plateia de 72 chefes de governo e de Estado, dentre os quais o Trump de slogans como "A América em primeiro lugar" e "Faça a América voltar a ser grande".

Ele lembrou que as primeiras parcerias internacionais remontam ao fim da Grande Guerra e, encadeando expressões como "amizade entre os povos" e "espírito de conciliação", insistiu em quanto essas noções conduziram à aproximação entre França e Alemanha (adversárias no front de 1914 a 1918) e à criação da União Europeia e da Organização das Nações Unidas (ONU).

"A história ameaça às vezes retomar seu curso trágico e comprometer nosso legado de paz", disse.

"Somemos nossas esperanças em vez de colocar em confronto nossos medos. Juntos, podemos afastar essas ameaças que são o espectro do aquecimento global, a pobreza, a fome, as desigualdades, a ignorância."

Era mais um aceno a Trump, que em 2017 retirou os EUA do Acordo de Paris (2015), com o qual 196 países se comprometeram a combater a mudança climática e tentar frear o aquecimento do planeta.

A cerimônia foi coreografada para dar protagonismo a Macron (único a discursar, ele passou as tropas em revista longa e solitariamente) e retratá-lo como líder nato do globalismo (em oposição à insularidade e ao nativismo).

Além de Trump, estavam na plateia a chanceler alemã, Angela Merkel, os presidentes russo, Vladimir Putin, e turco, Recep Tayyip Erdogan, e o premiê espanhol, Pedro Sánchez, entre outros. A chefe de governo britânica, Theresa May, ficou no Reino Unido para acompanhar celebrações locais.

À tarde, na abertura do Fórum sobre a Paz, criado pelo governo francês para abrigar debates sobre governança global, Merkel declarou estar inquieta com o fato de que "se volte a agir como se fosse possível pura e simplesmente ignorar nossos compromissos recíprocos".

Segundo ela, "o equilíbrio pacífico entre os interesses de uns e de outros e mesmo o projeto europeu de paz estão sendo colocados em questão".

Trump não compareceu. Preferiu visitar um cemitério militar americano na periferia de Paris.
Não foi a primeira desfeita com o anfitrião.

No sábado, Trump evitara um dos atos previstos, culpando a chuva. Na sexta (9), ao pousar na capital francesa, o americano escrevera em uma rede social que tinha se sentido insultado pela declaração de Macron, em entrevista prévia, de que a Europa deveria criar um Exército conjunto para se defender "de China, Rússia e até dos EUA".

"Mas talvez a Europa devesse antes desembolsar uma quantia mais justa para a [manutenção da] Otan, que os Estados Unidos bancam amplamente", completou Trump.

O francês não se fez de rogado. Em entrevista à rede americana CNN exibida no domingo (11), afirmou preferir "discussões cara a cara ou responder a questões" a "fazer diplomacia por tuítes".

Apesar da alfinetada, porém, o presidente francês disse concordar com o republicano sobre a necessidade de a Europa incrementar sua participação no custeio da Otan.

"Não quero que os países europeus aumentem seus orçamentos de defesa para comprar armas ou material americano, mas sim para reforçar sua autonomia", ressalvou.

Nenhum comentário: