terça-feira, 27 de novembro de 2018

Um dos líderes de sua geração, Bertolucci herdou tradição italiana no cinema

Cineasta morreu nesta segunda (26), aos 77

Inácio Araujo | Folha de S. Paulo

Sabe-se que há anos saúde de Bernardo Bertolucci, morto nesta segunda (26), era delicada o bastante para não permitir que viajasse. Em algumas poucas aparições públicas era conduzido em cadeira de rodas. Palestras prometidas eram canceladas.

O último filme do cineasta nascido em Parma, “Eu e Você”, foi lançado em 2012.

Desde seu segundo longa, “Antes da Revolução” (1964), no entanto, já se sabia que Bernardo Bertolucci seria um dos líderes da sua geração de cineastas italianos. Unia ali duas tradições fortes dessa cinematografia: a política e a existencial (no enredo, o jovem Fabrizio vive a contradição de ser um jovem burguês e militar politicamente, ao mesmo tempo em que se desilude com as perspectivas revolucionárias).

Desde então, sua atividade oscilou entre grandes espetáculos e filmes intimistas, entre a tradição política e a observação de indivíduos particulares. De certa forma, Bertolucci recolheu a herança de boa parte da grande tradição italiana de cinema: como se não quisesse optar por nenhuma, mas abarcar a todas.

Assim, chegou a 1970 com “O Conformista”, análise da ascensão de um homem (Jean-Louis Trintignant) que, por fraqueza, adere ao fascismo e acaba participando do assassinato de seu antigo professor (e dissidente do regime mussoliniano).

Quase ao mesmo tempo, volta-se, em “A Estratégia da Aranha”, ao drama pessoal do homem que volta ao local onde seu pai foi assassinado, buscando dar um fim ao assunto. Aqui, ele adapta o universo do argentino Jorge Luis Borges à Itália, sem o mesmo brilho do original.

Se a repercussão de “O Conformista”, vencedor do Festival de Berlim, já lhe dera prestígio suficiente, em “O Último Tango em Paris”, dois anos depois, que sua fama consolidou-se. Em parte pelo escândalo, é verdade, mas isso sempre fez parte do jogo cinematográfico.

A presença do superastro Marlon Brando --recém-saído do êxito de “O Poderoso Chefão_ em “O Último Tango” consolidava a associação entre drama pessoal e espetáculo no projeto estético de Bertolucci.

Ele teria sequência em “1900” (1976), grande quadro sobre o movimento operário no século passado e culminaria em 1987, com “O Último Imperador”, a delirante história do menino elevado ao cargo pelos japoneses, durante a ocupação da China. Foi o filme que arrebentou a banca no Oscar daquele ano: foram nove prêmios no total, inclusive os de melhor filme e melhor fotografia (este para Vittorio Storaro, seu companheiro frequente). Para ele, pessoalmente, foram os prêmios de melhor direção e melhor roteiro.

Bertolucci voltou à via do superespetáculo, porém nunca com o mesmo êxito, em “O Céu que Nos Protege” (1990) e “O Pequeno Buda” (1993).

Sua produção de filmes intimistas, no entanto, continuou bastante viva. Existe no homem uma espécie de vida secreta, e isso Bertolucci soube mostrar com delicadeza e força em diversos momentos. Casos de “La Luna” (1979), talvez seu melhor filme, sobre as relações incestuosas mãe-filho, “Assédio” (1998), sobre isso mesmo que o título diz, mas numa situação em que a paixão está longe de ser descartada (de certo modo o filme é uma defesa do assédio) e em seu último e belíssimo trabalho, “Eu e Você” (2012), em que trata das relações ambíguas entre dois irmãos de uma família burguesa.

Este último lembra mais, até, o cinema de Marco Bellocchio, seu “irmão inimigo”, como o trata a imprensa italiana, para caracterizar as relações entre os dois principais nomes dessa geração de cineastas italianos.

Não se pode esquecer, ainda, sua homenagem dupla à rebelião de 1968 em Paris e à cinefilia que faz em “O Sonhadores”, de 2003, onde reuniu os então iniciantes Eva Green e Louis Garrel. Um tanto intimista, um tanto espetacular, mas, antes de tudo, um filme onde triunfa o espírito libertário.

Se é possível falar de rivalidade entre Bertolucci e Bellocchio, não se pode esquecer de um outro nome dominante dessa que foi a última grande geração de cineastas italianos: Sergio Leone. É verdade que Leone correu sempre em outra faixa, a do cinema popular, consagrado na época pelo “western spaghetti”. Mas também não se pode esquecer que Bertolucci foi coautor do roteiro do mais grandioso dos filmes de Leone: “Era uma Vez no Oeste” (1968).

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