quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Bolsonaro testará limites do sistema político brasileiro, afirmam professores

Futuro governo foi tema de debate promovido por Cebrap e Folha

SÃO PAULO - O governo Bolsonaro vai testar os limites do presidencialismo de coalizão no Brasil. Essa é uma das poucas afirmações que podemos fazer, por ora, a respeito da futura administração, disseram pesquisadores em debate promovido pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e pela Folha.

Os professores Cláudio Couto, do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, e Andréa Freitas, do Departamento de Ciência Política da Unicamp, analisaram na manhã desta quarta-feira (5) as perspectivas do país após as eleições. A mediação foi do jornalista Fábio Zanini, editor do caderno “Poder”, da Folha.

Cláudio Couto apontou as deficiências da base do partido de Bolsonaro para lidar com a complexidade de uma administração nacional. Dos 52 deputados federais eleitos pelo PSL, 38 nunca exerceram um cargo público anterior.

“Tenho dificuldade em enxergar como o PSL poderá lidar com as operações institucionais”, disse. “É um partido de aluguel, hipertrofiado pela candidatura presidencial.”

O governo em si também se desenha fragmentado, avalia. Couto observa vários grupos, nem sempre harmônicos: o econômico, liderado por Paulo Guedes; o jurídico, com Sergio Moro; o militar; o familiar, representado pelos filhos; o de matizes intelectuais mais conservadoras, com nomes indicados por Olavo de Carvalho (Ernesto Araújo nas Relações Exteriores, Ricardo Vélez Rodríguez na Educação).

Assim como quebrou padrões na eleição presidencial, Bolsonaro promete também romper os modelos de governabilidade construídos no país nas últimas três décadas.

O presidente eleito já manifestou a intenção estabelecer uma relação diferente com os partidos de sua base de apoio, desafiando a estrutura vigente, denominada presidencialismo de coalizão. Num cenário de alta fragmentação no Congresso, o Executivo precisa costurar uma ampla maioria, englobando vários partidos, para poder governar.

Nos últimos anos, esse modelo ficou associado a negociações nada republicanas, popularmente conhecidas como “toma lá, dá cá”, em que a disputa por cargos e verbas ganhou ascendência sobre o debate ideológico e de propostas.

Após a vitória, Bolsonaro disse que negociaria votações na Câmara com as bancadas temáticas, em vez de passar pelos líderes das siglas.

A professora Andréa Freitas avalia que não será fácil fazer essa mudança. “Bolsonaro quer substituir os partidos políticos pelas bancadas suprapartidárias. Mas acontece que os atores sãos os mesmos. As bancadas são formadas por parlamentares que compõem os partidos. Não dá para separar.”


Nada garante que as bancadas temáticas (como a ruralista ou religiosa), diz, manterão sua união ao governo em temas alheios a seus interesses.

“Você não tem como garantir que as pessoas das bancadas cumprirão os acordos. Já os partidos possuem meios de garantir a coesão de seus parlamentares.”

Freitas apresentou dados da última eleição que indicam uma fragmentação sem precedentes no Congresso Nacional, um recorde mundial.

A Câmara terá em 2019 30 partidos. Para ter maioria, Bolsonaro precisará do apoio de pelo menos 13 siglas. “Desenha-se um cenário de descoordenação absurda, em que ninguém defende que conversar com o Legislativo é importante”, comenta.

Na fase das perguntas da plateia, o mediador fez uma provocação. A vitória de Bolsonaro foi uma surpresa para diversos grupos —pesquisadores, imprensa, academia. Com as previsões pessimistas acerca de seu governo, não estaremos subestimando, de novo, o capitão reformado?

“As coisas estão em aberto. Foi um fenômeno novo”, disse Couto. “Dá para prescindir do antigo modelo de governança em nome do carisma e do apoio das redes sociais?”, indagou, sem responder.

Freitas compartilha a mesma dúvida. “O momento é de incerteza absoluta. O que a ciência política diz é que precisamos de partidos políticos. Não temos referência para lidar com o modelo novo que Bolsonaro propõe.”

Num caso extremo, ela avalia que governo poderia criar factoides para reativar sua base social e pressionar o Congresso. “Qual a capacidade de resistência de nossas instituições? Não sei responder.”

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